terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Cavaleiro de Bastões

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

Bedivere foi um dos elementos originais do grupo de Artur. Era um bom estratega e foi um amigo leal ao longo de todo o reinado de Artur. Foi ele que confortou o rei quando este jazia moribundo na batalha final de Camlann.

Na tradição galesa, é conhecido como Bedwyr, o valoroso "manejador da lança". Apesar de ter perdido uma mão, possuía uma destreza excepcional e dizia-se que conseguia fazer o vento sangrar com a sua lança.

Sendo o original melhor amigo do rei, surge nalgumas versões da lenda, como o amante atormentado de Guinevere; um papel depois assumido por Lancelot.

Significado da Carta: um homem jovem, atraente e inteligente, cujas estratégias são imprevisíveis e certeiras. Uma viagem ou mudança de residência. Acção através da intuição e coragem para arriscar ideias que vão contra a convenção.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Pajem de Bastões

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

A lebre é um animal transformacional, um totem. Embora retenha alguns dos atributos do Trapaceiro, tais como a natureza brincalhona, vai para além desta maneira egoísta de ser, pois representa aquele estádio de desenvolvimento intelectual em que a criança se torna consciente das consequências das suas acções no mundo exterior. A lebre é uma criatura social, simbolizando o despertar do sentido cultural e a interacção com a comunidade.

Significado da Carta: comunicações estimulantes. Desenvolvimento intelectual e interacção com a sociedade. Um amigo bem-humorado e brincalhão; um auxiliar entusiasta e de confiança. Alguém sinceramente feliz por trazer boas novas.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Dez de Bastões

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

Enquanto a corte de Artur celebrava o Natal, um visitante inesperado irrompeu pelo salão. Cavalo e cavaleiro, ambos de enorme estatura, eram de um estranho matiz verde. O cavaleiro, vestido de forma aparatosa, empunhava um ramo de azevinho numa mão e um machado na outra e lançou um desafio à assembleia: que um dos presentes se lhe juntasse num jogo - o Jogo da Decapitação. Como o forasteiro e a sua montada emanavam uma estranha luz verde, os cavaleiros recearam estar na presença de um ser do Reino das Fadas e, por consequência, mostraram relutância em responder ao desafio.

Gawain foi o único que avançou. O Cavaleiro Verde desmontou e explicou ao jovem que lhe seria dada uma oportunidade para o decapitar; se falhasse, um ano mais tarde, o Cavaleiro Verde regressaria para ripostar o golpe. Então, Gawain cortou-lhe a cabeça, mas para seu terror, o corpo do gigante verde ergueu-se, recolheu a sua cabeça e recolocou-a entre os ombros. Ainda antes de se retirar, lembrou a Gawain que, dali a um ano, voltaria.

Durante o ano seguinte, a honra e a resistência de Gawain foram postas à prova pelos aliados feéricos do Cavaleiro Verde. A todos resistiu, mas quase sucumbiu aos poderes sedutores de uma bela mulher (que depois descobriu ser a esposa do Cavaleiro Verde). A fada insinuante ofereceu-lhe a sua fita verde como um talismã. Gawain aceitou sem saber que, deste modo, punha a sua vida em perigo.

Chegado o fatídico dia, o Cavaleiro Verde fez o seu julgamento. Sabendo que a única fraqueza do jovem tinha sido aceitar as atenções e ajuda da dama, apenas lhe golpeou ao de leve o pescoço com o machado. Gawain pôde voltar à corte, mas com uma condição: usar a fita verde como estandarte da sua falha.

Mais tarde, todos os Cavaleiros da Távola Redonda, em solidariedade, passaram a usar também uma fita verde.

Significado da Carta: uma enorme pressão; uma tarefa árdua que testa a coragem e a diplomacia. Supressão temporária dos desejos pessoais a fim de concluir um trabalho. Sucesso pela persistência.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Nove de Bastões

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

Anunciando a guerra, gigantescas harpas de vento são colocadas nos penhascos, onde a sua canção de mau agoiro saudará o inimigo.

Os tempos precários da Idade das Trevas exigiam uma constante preparação para a adversidade: fortificações, treino físico, fabrico de armas. Mas esta carta apresenta outro tipo de arma - uma usada no campo de batalha da mente.

As grandes harpas de vento davam voz aos espíritos guardiões da terra. O vento, de encontro às suas cordas, gerava uivos sinistros e ensurdecedores que gelavam o sangue nas veias dos inimigos mais bravios.

Significado da Carta: Antecipar hostilidades e preparar-se para o conflito. Prevenir-se com uma forte defesa. Os ensinamentos do passado ajudam a lidar melhor com a adversidade do presente. Superar o adversário.



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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Oito de Bastões

Arthurian Tarot, de Anna-Marie Ferguson

O cervo branco corre velozmente, deixando o caos atrás de si. Visto como um mensageiro dos deuses, a sua aparição indicava a iminência de acontecimentos de grande importância.

No dia do casamento de Artur e Guinevere, Merlin insistiu misteriosamente para que todos os cavaleiros permanecessem sentados nos seus lugares durante o festim. De repente e sem aviso, um cervo branco irrompeu pelo salão, perseguido por mastins de aspecto feroz, e o caos instalou-se. No meio da confusão, um cavaleiro agarrou num dos cães e desapareceu. Logo de seguida, surgiu uma jovem montada num cavalo alado exigindo que lhe devolvessem o seu cão. Estupefacta, a multidão ainda assistiu à entrada tempestuosa de um estranho cavaleiro que agarrou na donzela e a levou à força.

Após estes acontecimentos inexplicáveis, Merlin disse aos presentes que tudo aquilo era um teste, e que se a corte desejava manter a sua honra, três cavaleiros - Gawain, Tors e Pellinore - deveriam partir na senda do cervo, do cão, do cavaleiro que o roubou, da donzela e do seu raptor.

E assim começou a Demanda do Cervo Branco...

Significado da Carta: excitação, desenvolvimento rápido de acontecimentos. O início de uma aventura que testa os limites. Decisões precipitadas. Uma viagem que encerra uma lição espiritual. Conflitos.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Sete de Bastões

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

Em honra da tenacidade de Artur ergue-se o arco dos 12 reis. 

Os primeiros tempos do reino de Artur foram tempestuosos. Os reis menores combatiam entre si ao invés de se unirem para repelir os invasores. As políticas de Artur, guiado por Merlin, também geravam descontentamento. Alguns nobres, que também ambicionavam o lugar do jovem rei, tudo faziam para alimentar a revolta.

Com o intento de derrubarem Artur, doze reis juntaram as suas forças e rebelaram-se. No entanto, o Alto Rei prevaleceu no seu legítimo trono e para assinalar a vitória, Merlin forjou doze figuras em cobre e bronze, à semelhança dos doze oponentes derrotados. No topo, colocou a figura triunfal de Artur. Todas as estatuetas eram banhadas a ouro e nas mãos dos reis foram colocados pavios. Os pavios ardiam todo o dia e toda a noite, até ao término da vida terrena de Merlin e o encantamento ser quebrado.

Significado da Carta: Superar obstáculos e ganhar o reconhecimento e a confiança dos outros. Vencer adversidades. Coragem, força e sucesso. Proteger e nutrir aquilo que é  novo e ainda frágil.

domingo, 9 de outubro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Seis de Bastões

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

No meio do caos gerado pela morte de Constantino, os seus dois filhos, Ambrosius e Uther, foram escondidos em segredo, a fim de poderem escapar às intenções homicidas do usurpador Vortigern. Enquanto os dois rapazes cresciam, o povo da Bretanha muito sofreu com a opressão do tirano e com as invasões sucessivas dos Saxões.

Aurelius Ambrosius tornou-se num mancebo honrado e de muitos talentos. Ao longo dos anos, ele e Uther reuniram e treinaram um exército para recuperarem o reino que lhes pertencia de direito. Merlin profetizou sobre o regresso dos filhos de Constantino infundindo esperança no coração do povo e assim que Ambrosius
pisou terra, foi de imediato acolhido e aclamado pelas gentes.

Após se livrarem do tirano Vortigern, os dois irmãos conduziram as suas forças contra as hostes Saxãs, conseguindo a primeira vitória substancial sobre os invasores e preparando o caminho para o triunfo do vindouro Artur.

Significado da Carta: Vitória merecida. Passagem para uma nova era. Sucesso através do esforço e resolução de um problema. Conquista e progresso. Honrarias e apoio entusiástico por parte de terceiros.

sábado, 1 de outubro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Cinco de Bastões

The Arthurian Tarot, Anna-Marie-Ferguson

Levado pelo desejo por Igraine, Uther Pendragon conduz o seu exército contra o seu esposo, o duque da Cornualha. O duque, na sua sabedoria, colocou Igraine no inexpugnável Castelo de Tintagel. Embora em menor número, ele e os seus homens lutaram bravamente contra Uther, mas nem eram o maior obstáculo à vontade do Rei. O maior desafio de Uther era Tintagel.

Rodeado pelo mar, apenas uma estreita ponte une Tintagel à costa. Os seus formidáveis penhascos lançam os mais incautos nas ondas revoltas. Com estas condições tão inóspitas, o castelo apenas precisava de uma pequena guarnição para a sua defesa.

Frustrado, Uther vê-se forçado a abandonar as costumeiras tácticas e adoptar uma nova abordagem. Para tal, necessita de recorrer a Merlin...

Significado da Carta: Forte competição. Desejos não realizados conducentes a conflito. Reavaliação de métodos e necessidade de uma nova abordagem.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Quatro de Bastões

The Arthurian Tarot, de Anna-Marie Ferguson

A corte celebra o casamento de La Cote Male Tail e Maledisant.

Enquanto jovem, Breunor tinha ido para a corte de Artur, no intuito de se tornar um Cavaleiro da Távola Redonda. Como a sua cota de malha era de fraca qualidade, foi apelidado por Sir Kay de "La Cote Male Tail".

La Cote Male Tail, desejoso de provar o seu valor, decidiu aceitar o desafio do Escudo Negro. Nesta perigosa aventura, La Cote Male Tail tinha ainda de suportar a língua viperina da sua dama-guia, apropriadamente chamada Maledisant. Esta não desperdiçava uma oportunidade para o humilhar, apesar das demonstrações de valentia do jovem.

No entanto, a donzela veio a arrepender-se do seu comportamento e apaixonou-se pelo herói. Depois de alcançada a vitória, La Cote Male Tail foi armado Cavaleiro e casou com Maledisant, cujo nome mudou para Beauvivante, reflectindo a sua felicidade.

Lancelot, amigo e mentor do jovem cavaleiro, ofereceu aos recém-casados o Castelo Pendragon e as terras circundantes.

Significado da Carta: prosperidade e celebrações. Recompensa pelos esforços realizados. Partilha da boa sorte com os outros e criação de bases seguras para o futuro. Bênçãos materiais e emocionais.

domingo, 25 de setembro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Três de Bastões

The Arthurian Tarot, de Anna-Marie Ferguson

Com um olhar experiente e conhecimento prático, o cavaleiro estuda os seus prospectos. 

O cavalo era de grande importância na Bretanha medieval devido à sua força e mobilidade. O negócio da criação de cavalos desempenhava um papel central na sociedade e as pessoas mostravam grande orgulho nos seus estábulos e nos cavalos que criavam.

Além do prestígio, o cavalo era fulcral na vida doméstica e na guerra. O sucesso de Artur em Mount Badon é  , por muitos, atribuído ao valor da sua cavalaria. 

Todo o  estábulo tinha um altar dedicado à deusa equestre Rhiannon (Epona, para os Gauleses). Estes altares eram enfeitados com rosas a fim de mostrar gratidão pela dádiva do cavalo e de assegurar o favorecimento da deusa.

Significado da Carta: Conhecimento prático. Comércio e negociações. Decidir de forma esclarecida, firme e educada. 

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Dois de Bastões

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

Dois dos melhores amigos de Artur delineam planos para progredirem. Bedivere (ou Bedwyr) era um dos mais antigos companheiros do rei e foi-lhe sempre leal  e dedicado. Kay (ou Cei) é popularmente visto como o irmão temperamental de Artur, mas em versões mais antigas, era conhecido como um guerreiro corajoso, cortês e bonito.
Artur conferiu a estes dois cavaleiros a pesada responsabilidade da administração das suas provínicias na Gália. Bedivere ficou na Normandia e Kay em Anjou.

Significado da Carta: Exercício da responssabilidade e da autoridade. Capacidade de gerir um grande projecto. Coragem e maturidade no planeamento do futuro. Tomar decisões baseadas na intuição. Um líder capaz e de honra.

sábado, 17 de setembro de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: Ás de Bastões

The Arthurian Tarot, de Anna-Marie Ferguson

A Lança do Graal repousa na santidade da antecâmara. Esta lança sagrada era guardada pelo Rei Pescador e tinha o poder de curar, vingar e fertilizar a terra. 

Na sua origem, pode estar a lança celta da redenção - a Lança de Lleu (Lug). Mais tarde associou-se à lança cristã de Longinus e à lança que feriu o Rei Pescador.

Balin, o Cavaleiro das Duas Espadas, entrou no castelo do Rei Pescador em busca de um assassino. Encontrou e matou o vilão e, só mais tarde, descobriu que este era um parente do Rei. Tendo perdido as suas armas, Balin correu pelo castelo para fugir à fúria do soberano e, involuntariamente, entrou na sala da Lança. Enquanto a mirava, fascinado com a sua beleza e santidade, o Rei irrompeu pelo aposento e Balin, em pânico, agarrou na Lança e feriu o Rei na coxa. Com o Golpe Doloroso, o rei definhou e a terra ficou estéril. Só muitos anos mais tarde, dar-se-ia a renovação com o sucesso de Galahad na Demanda do Santo Graal.

Significado da Carta: actividade mental e força espiritual. Sentido renovado de um propósito. Lançar as bases para o sucesso. Seguir a intuição. Fertilidade e criatividade.

sábado, 3 de setembro de 2011

Trigo vendido para uma ilha encantada

Le retour, Alexandre Seon














Há muitos anos atrás, um navio carregado de trigo navegava pelo sul da ilha de Santa Maria, quando os marinheiros viram um cavaleiro com semblante real montado no seu cavalo, que vinha andando por cima das águas. Aproximou-se dos marinheiros, que estavam imóveis de admiração e medo. Sem rodeios, o cavaleiro, disse que queria comprar alguns sacos de trigo dos que o navio transportava.

O comandante, talvez ainda amedrontado, concordou em vender-lho e perguntou-lhe:
— Onde ponho o trigo que nos comprou?
— Vazem-no para o mar porque vai ter ao nosso celeiro — respondeu o cavaleiro e em seguida convidou o comandante — monta para o meu cavalo e vem à minha terra buscar o dinheiro da paga dos sacos de trigo que eu venho trazer-te novamente ao navio.

O comandante, sem saber bem o que fazer, aceitou o convite e, depois de uma estranha viagem, com grande espanto seu, encontrou, numa cidade muito bonita, a âncora do seu navio presa ao adro de uma igreja e o trigo a correr por umas calhas para os celeiros.

O cavaleiro levou-o à sua casa, onde estava a filha, uma linda rapariga. O comandante ficou encantado com a sua beleza e logo se apaixonou por ela. Então o cavaleiro perguntou-lhe:
— Senhor comandante, quer o dinheiro do trigo e partir ou prefere casar com a minha filha? Mas, se casar com ela, a ilha em que vivemos, há muitos anos, ficará desencantada para sempre.
O comandante estava enamorado e respondeu:
- O meu maior desejo era casar com a vossa filha, mas primeiro tenho que cumprir o meu dever e ir levar o trigo aos meus patrões.

Despediram-se. O comandante voltou a saltar para o cavalo, vindo para o navio. Seguiu viagem e, embora por ali tivesse passado em viagem muitas outras vezes, nunca mais pôde ver aquela ilha encantada no fundo do mar, onde vive há muitos anos o rei D. Sebastião.


FURTADO-BRUM, Ângela, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Uma ilha encantada com muitas flores

Dreams II, Heinrich Vogeler


















Numa manhã de S. João, isto já há muitos anos, uma velha da Madalena tinha-se levantado cedo para ir à missa. Costumava pentear-se à janela da cozinha e entretanto ia olhando para o mar e via como estava o tempo. É um costume da gente do Pico ir à janela ao amanhecer, logo que se alevantam, p’ra verem como vai ser o dia. Não há melhor maneira de ver o tempo!
Naquela manhã, ao olhar para o mar em direcção à baixa que ficava lá em frente, ficou tola com o que enxergou: uma ilha com muitas flores estava onde sempre só tinha visto água.
Virou-se para dentro e chamou os parentes com nervosismo, a gaguejar, sem força para pronunciar as palavras. Demorou apenas um instante, voltou-se logo para fora para mirar aquela ilha que, sem saber como, lhe tinha aparecido, mas já não viu nada de diferente. Apenas as águas tranquilas do canal se estendiam azuis como sempre.
Mesmo assim teve forças para ir à missa. Vestiu-se à pressa, amanhou-se como pôde, pôs o xaile por cima de si. O caminho foi mais fácil de passar naquele dia porque ia inquieta para contar a novidade a alguém. Ao chegar à igreja foi logo falar com o padre à sacristia e pô-lo a par do acontecimento estranho. Contudo o pároco não pareceu muito admirado e na sua sabedoria e calma habitual disse-lhe:
— Se a tia tivesse abençoado a ilha, dizendo “Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” ela tinha-se desencantado e nunca mais desaparecia.
Muitas outras manhãs de S. João a velha fez o que sempre costumava, mas nunca mais viu a ilha que ainda hoje continua encantada mesmo ali em frente à Madalena.


FURTADO-BRUM, Ângela, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Lenda da Ribeira dos Moinhos















John Duncan, The Turn of the Tide

Havia há muitos anos atrás, no mar, na foz da Ribeira dos Moinhos, no Nordeste, uma linda ilha, onde vivia um rei com a sua família e os seus amados súbditos. Este rei tinha uma filha jovem e muito bonita, que gostava de ir todas às manhãs passear pelas montanhas verdes e frescas da ilha. Quem a via passar não podia deixar de a olhar embevecido e todos os rapazes a cobiçavam pela sua beleza.

Uma certa vez, vindo de um outro reino, chegou à ilha um príncipe muito rico e poderoso, que logo se apaixonou pela filha do rei. Queria casar com ela a toda a força, mas a princesa, dando desculpas e justificações, recusou sempre delicadamente o pedido do príncipe. Ele estava habituado a mandar, era forte e poderoso e teimou, teimou. Mas a princesa não voltou com a sua palavra atrás: não queria casar com ele.

O príncipe ficou cheio de raiva e ódio e tomou uma decisão maldita. Mandou chamar uma bruxa muito poderosa do seu reino. A bruxa com breves e eficazes palavras fez desaparecer a ilha. Toda a alegria e agitação que ali havia se encantou de um momento para o outro.

Mas, ainda hoje em dia, as pessoas do Nordeste, que moram perto deste lugar, vêem, em manhãs de nevoeiro, a dita ilha. Ela aparece no mar, ali muito pertinho, envolta em nuvens leves e transparentes como cambraia. Pode ver-se a azáfama das pessoas a trabalhar no campo, ceifando o trigo louro e curvado do peso das espigas maduras e cheias. Quem olhar com atenção ainda poderá ver a princesa linda como sempre a passear pelo campo.


FURTADO-BRUM, Ângela, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999

domingo, 28 de agosto de 2011

A ilha encantada e Beltrão da Cota


Mary Raphael, Britomart e Amoret, 1898

Beltrão da Cota era um jovem escudeiro, desejoso de glória e de feitos ti que o fizessem merecer uma estátua em seu louvor. Não havia outro mais vaidoso nem mais zeloso da sua obrigação. Usava sobre o tronco, como emblema do seu apelido, uma brilhante cota de malha de metal entrelaçado e os metais das suas armas estavam sempre reluzentes, prontos para desempenhar grandes façanhas. Muitas vezes, pelos finais do século dezassete, ouvira seu tio, D. Francisco de Menezes, já velho, reclinado numa poltrona, na sua casa na cidade de Ponta Delgada, contar uma história incrível. Dizia-lhe que indo certa vez em viagem da Terceira para a corte, na nau Esperança, se tinham perdido, devido a uma tormenta que se levantara na véspera do dia de S. Sebastião. Depois de passarem toda a noite rezando ao glorioso mártir, o dia amanhecera admirável e encontraram-se peito de uma ilha nunca vista até então por qualquer marinheiro. Avistaram um grande cais onde passeava gente com cavalos. Aproximando-se tinham visto um rio onde havia navios e galeras. Mas, de repente, ouviram um trovão e tudo desapareceu como por encanto.

Beltrão da Cota, que lia o D. Quixote de la Mancha de Cervantes, andava alucinado com aquela descrição da Atlântica e imaginava vir a ser o descobridor e conquistador dessa ilha misteriosa, assumindo que para tal tinha de pôr em prática a divisa dos Cotas: “Sem sangue não há vitória”.
Embalado nos sonhos de D. Quixote, tinha-se também apaixonado por Casimira de Kent ou do Canto, uma fidalga de Ponta Delgada, descendente do inglês João de Kent. Contudo jurava não se casar com ela antes de honrar o seu nome com esse feito, mesmo que tivesse de vender a alma ao diabo ou morrer na empresa gloriosamente.

Casimira era modesta, simples e, levada pelo amor, desejava apressar o casamento. Vendo que o jovem Beltrão pensava antes de tudo em grandes façanhas, consultou o livro de S. Cipriano e, seguindo as instruções, furtou um lenço ao amado, ensopou-o na pia baptismal e passou-o a ferro, sorvendo o fumo e dizendo algumas palavras mágicas. Feito isto, perfumou o lenço com essência de flor de laranjeira e voltou a metê-lo no bolso de Beltrão.
Estavam num serão em Ponta Delgada. O jovem Cota sentiu logo intensamente o fogo da paixão e dirigiu lindíssimos galanteios a Casimira. Porém, como um tom cavaleiro, sentia que primeiro estava a submissão a Deus e só depois à sua dama.

Numa tarde de Outono, ao voltar da pesca, aproximou-se dele um desconhecido homem do mar que lhe disse ter visto nessa manhã a ilha misteriosa. Combinaram logo ali o embarque para o dia seguinte.
Casimira, ao ser informada desta decisão, ficou possuída por negros presságios e, com todo o carinho de uma mulher apaixonada, tentou que Beltrão desistisse de uma empresa tão arriscada. Nada conseguiu e da janela do solar viu, ao raiar da manhã seguinte, o jovem Cota e o marinheiro desconhecido fazerem vela.
Não tardou que o barco se transformasse num cavalo com asas de águia, cabeça e pés de leão que voava sobre as vagas. O desconhecido marinheiro era o diabo que, à vista da ilha desconhecida, declarou estar ali para servir Beltrão, mas exigia que assinasse com sangue a venda da alma. Beltrão, aterrado, assinou e ao mesmo tempo ouviu-se ribombar um trovão, uma nuvem medonha escureceu os ares e tudo se perdeu no abismo.

O cadáver de Beltrão da Cota, que vendera a alma ao diabo, nunca mais deu à costa micaelense e a ilha misteriosa nunca mais foi encontrada.


FURTADO-BRUM, Ângela, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Lenda do Capitão de Deus


Esta é mais uma história lendária de D. Sebastião. Lenda que se confunde, por vezes, com a própria realidade, lenda que possui algo de intangível — esse algo que simboliza, afinal, a essência da eternidade. E se acaso termina, como é da tradição, numa manhã de nevoeiro — começa, em contraste, numa linda manhã de sol. Numa linda manhã de Primavera...

Recuemos no tempo até ao mês de Junho de 1578... No palácio real, em Lisboa, vai uma grande azáfama... A capital portuguesa vive uma das suas maiores horas...
No seu gabinete do paço, o moço rei D. Sebastião escuta extasiado as palavras do padre Luís Gonçalves da Câmara.
— Acreditai, meu Senhor! Aquela terra de Marrocos foi santificada pelo sangue dos mártires portugueses.
O sacerdote fez uma pausa e aproximou-se do jovem soberano. A sua voz tornou-se mais doce. Mais lenta. Mais incisiva.
— Quantas vidas se perderam?... Quantos homens, por amor de Cristo e glória da nossa Fé, ficaram escravos para sempre?... Quantos?
E, como se a resposta viesse do coração, ele cruzou os braços sobre o peito para que a sua voz ganhasse mais ressonância.
— É preciso vingar a memória de todos eles, meu Rei e Senhor!
A testa de D. Sebastião encheu-se de pequenas pregas. Cada prega um pensamento. Cada prega uma decisão.
— Dizeis bem, amigo: é preciso vingar a sua memória... Eu a vingarei!
E enchendo de mais brilho o seu olhar já brilhante, e enchendo de mais força a sua voz já forte, o moço soberano de Portugal quase gritou:
— Estou resolvido a partir!... Irei conquistar Marrocos!
O padre Luís Gonçalves da Câmara ergueu as mãos numa bênção.
— E sereis capitão de Deus!... Nenhum outro nome terá maior projecção na História do que o vosso nome... Nenhuma figura será mais respeitada do que a vossa!
Mas D. Sebastião já não o ouvia. Lentamente, aproximou-se da janela alta e olhou o sol, que tudo fazia resplandecer lá fora. E para si próprio repetiu baixinho, como num êxtase:
— Capitão de Deus!... Serei capitão de Deus!...
E, assim arrastado pelo seu sonho de glória, o jovem rei de Portugal partiu ao encontro da aventura e da morte...

A sua trágica odisseia faz parte da História propriamente dita, desde a abalada do Tejo, depois de muitos dias de tempestade, como que num presságio cruel, até à estadia em Cádis, com uma grande corrida de toiros e um jogo de canas «al uso de Xerez»; desde a arribação a Tânger, quando soavam as doze badaladas da meia-noite, até à sortida em campo aberto, contra cerca de mil mouros, nos arredores de Arzila; desde esse irresistível desejo de se bater contra Abde Almélique, o novo senhor de Marrocos, até à trágica batalha de 4 de Agosto de 1578...

A lenda começou, por assim dizer, na parte final da luta, que durara apenas pouco mais de quatro horas. Já então os últimos companheiros de el-rei lhe suplicavam que fugisse pelo caminho de Arzila, aproveitando uma derradeira oportunidade. E quando Fernando Mascarenhas, rodeado de inimigos por todos os lados, lhe grita desesperado: «E agora, Senhor, que havemos de fazer com tanta multidão?», o rei de Portugal, rompendo de novo a massa compacta dos mouros, respondeu-lhe noutro grito, não de desespero, mas de ousadia: «Fazer o que eu faço!»
A tragédia, porém, estava no fim. Aniquilado o valoroso terço dos soldados algarvios comandados por Francisco Lourenço, D. João de Portugal acerca-se do seu rei e pergunta-lhe: «Que pode haver aqui que fazer, senão morrermos todos?...» Mas D. Sebastião, do alto do seu corcel cansado, olha-o severamente e responde: «Morrer, sim, mas devagar».
E, segundo se vem contando desde então e pelos tempos fora, o rei de Portugal atirou-se para a frente, perdendo-se na turbamulta dos mouros. E alguns teriam ainda ouvido ele bradar:
— Um capitão de Deus nunca se rende!...

Pois conta-se que, desiludido e humilhado, sofrendo dores e lágrimas, padecendo tormentos de alma e de corpo, D. Sebastião se arrastou pelo Mundo, numa vagabundagem de penitência, sem querer voltar ao reino que o esperava... E de terra em terra, de refúgio em refúgio, teria chegado a uma maravilhosa ilha do oceano Atlântico: a ilha de Arguim...
Aí reinava um senhor poderoso, pai de duas encantadoras jovens, qual delas a de mais perturbante beleza.
O moço rei, triste e desalentado, sentiu-se bem nessa terra extraordinária, onde parecia respirar-se paz e felicidade. E solicitou do senhor da terra que a sua presença fosse consentida durante algum tempo.
— Mas quem sois vós? — quis o outro saber, com arrogância.
— Sou... um pobre penitente, que anda expiando pecados cometidos.
— Criminoso, então?
— Não, Senhor!... Sou um capitão de Deus!
E o brado foi tão sincero, tão forte, tão espontâneo, que o senhor da ilha não soube recusar.
— Pois ficai... Ficai o tempo que quiserdes, desde que não perturbeis o nosso viver!
— Assim o juro, Senhor! Pela minha honra!
E de novo a firmeza das suas palavras, o fulgor do seu olhar, o aprumo da sua presença, impressionaram deveras o senhor da ilha. De tal modo que, nessa noite, ele não se pôde calar diante de suas filhas.
— Ficai sabendo que temos agora na ilha um forasteiro bastante estranho.
— Estranho, em quê, meu pai? — perguntou uma delas.
E logo a outra perguntou também:
— Estranho, porquê?
O pai olhou-as. Sorriu. Eram sempre assim. Completavam-se. Depois, tentou explicar a ambas, simultaneamente:
— Bem... parece-me estranho, porque me faz lembrar um guerreiro, mas fala como um trovador... Traz uma grande espada consigo, mas transporta-a como se fosse um alaúde... Compreendem? Existe qualquer coisa nele que eu não compreendo... Apresenta-se humilde como um vencido, mas o seu olhar é brilhante como o de um triunfador...
E as duas filhas, quase ao mesmo tempo, disseram então:
— Queremos conhecê-lo, meu pai!

George Seeley, The Burning of Rome, 1907

No dia seguinte, quando D. Sebastião se ergueu e saiu da tenda que lhe tinham destinado, viu as duas jovens à espera dele.
— Viemos para vos conhecer, senhor forasteiro.
— Aqui estou... Que quereis de mim?
— Saber quem sois.
— Sou... sou um homem sem história para contar.
O mistério adensou a curiosidade das duas irmãs. Olharam-se e sorriram. Mas ele percebeu isso e antecipou-se.
— E vós… quem sois? Posso sabê-lo?
— Decerto que sim... Somos as filhas do senhor da ilha.
O moço rei iluminou o rosto, num ar de admiração.
— Céus! Como é possível haver homem tão afortunado como vosso pai? Além de possuir uma ilha prodigiosa como esta… tem duas filhas como vós!
— Sois lisonjeador...
— Sou sincero!
Fez-se uma pausa. Sentindo que tomara ascendente, o visitante ajuntou:
— Não vos procuro os nomes, porque, se não vos importais, vos chamarei conforme me pareceis... Assim, vós sereis a Esperança... E vós outra sereis a Saudade...
Riram elas, alegres, satisfeitas, envaidecidas. Riu ele também, orgulhoso do efeito suscitado.
E as jovens perguntaram:
— Quereis ser nosso amigo?
E ele respondeu prontamente:
— Sim, com toda a minha alma!
Porém, de súbito, o seu olhar enublou-se e ele disse baixinho:
— Apenas com uma condição...
— Qual? — interrogaram as duas, a medo.
— Não deveis querer saber nada do meu passado... Eu nada vos poderei dizer.
Elas entreolharam-se, de novo, muito sérias. Pensativas. E prometeram que sim.
Daí em diante, a ilha ainda pareceu mais bela aos olhos dos três jovens. Andavam quase sempre juntos — e a sua felicidade pare insuperável... Todavia, um pormenor espicaçava constantemente a atenção das duas raparigas: o jovem forasteiro nunca abandonava a sua espada. Quem sabe? Talvez até dormisse com ela... E tanto pensaram no assunto, que resolveram investigar...

Certa noite, quando o silêncio caíra por completo sobre a ilha, envolvendo-a num manto de estrelas e de luar, as duas irmãs sorrateiramente entraram na tenda onde estava dormindo o jovem forasteiro.
Sim, era verdade! Ele dormia sem abandonar a grande espada que sempre trazia consigo!
Porém o que mais as surpreendeu foi o facto de descobrirem que ele estava dominado por um terrível pesadelo.
Revolvia-se, inquieto e angustiado, chamando entre gemidos e queixumes:
— Vamos a eles, companheiros! Eu sou o Capitão de Deus!... Essa mourama maldita não poderá levar a melhor... Deixai-me, eu sei o que faço… Eu sei o que quero!... Que me dizeis? Que me renda? Nunca! Um rei não se rende!...
A sua respiração era opressa, dava quase ideia de um estertor. Elas tiveram pavor da morte e saíram correndo. Mas dentro de cada uma ficara a frase que não mais lhes sairia da memória: «Um rei não se rende!»

A medo o foram esperar, na manhã seguinte. Apareceria ele, como costumava fazer, alegre, sorridente, assobiando por vezes?...
Pois apareceu assim mesmo. Contudo, notou imediatamente que elas estavam perturbadas. Havia qualquer coisa de diferente na maneira como o olhavam. Havia qualquer coisa de diferente no modo como lhe falavam. Ambas se esquivavam habilmente à curiosidade dele...
Tal ambiente manteve-se durante alguns dias. Até que o moço rei D. Sebastião resolveu atacar o assunto de frente.
— Dizei-me, boas amigas: que se passa convosco... que sois diferentes para comigo?
— Diferentes, nós, porquê?...
— Diferentes, nós, em quê?...
Ele procurou esclarecer.
— Sim... O vosso sorriso já não é tão franco... O vosso olhar já não é tão inocente... Que se passa? Eu preciso de saber... Eu quero saber!
— Falais como um rei, senhor...
A frase ficou suspensa no espaço. Suspensa entre o olhar interrogativo dele e os suspiros fundos delas. E nada mais disseram nesse dia. E nada mais disseram em outros dias...

George Seeley, Black Bowl, 1907

Certa manhã, inesperadamente, aquela a quem ele chamava Esperança procurou-o às escondidas da irmã.
— Perdoai-me, mas quero falar-vos a sós.
— Dizei, Esperança...
— Chamais-me Esperança, e tendes razão: é a esperança que aqui me traz... Eu amo-vos, senhor, e espero ser correspondida por vós...
Foi a vez dele suspirar.
— Se chamais amor à grande amizade que nos une, como irmãos, eu também vos amo, Esperança.
— Não! Eu chamo amor à paixão que pode existir entre dois seres que se desejam, como eu vos desejo e vós me desejais certamente.
— Aí vos enganais, Esperança... Eu já não posso amar assim!
— É a vossa última palavra?
— É a minha última palavra!
Silenciosamente, tristemente, ela abalou. Então, poucos minutos depois, surgiu a outra irmã.
O moço rei fitou-a com simpatia.
— Também vós, Saudade?... Que desejais?
— O vosso amor!
— Como?... Não compreendo... Explicai-vos melhor...
Ela aproximou-se, num ar felino. Rosto com rosto. Corações batendo em surdina.
— Escutai, nobre cavaleiro desconhecido... Sei que vós repudiastes o amor de minha irmã... Escutei a vossa conversa... Por isso, estou convencida que é a mim que vós amais!
— Pois também tenho de desenganar-vos, minha boa, minha doce amiga. Bem gostaria de vos amar, de facto. Mas não posso...
Ela ergueu a voz, num tom mais duro:
— Não podeis... ou não quereis?
Antes de responder, ele suspirou fundo.
— Como entenderdes... Para mim, sereis sempre... a minha Saudade!
Sem mais palavras, ela deslizou no caminho e afastou-se vagarosamente...

O moço rei voltou a viver isolado, pois não mais lhe apareceram as duas jovens. E um dia, o senhor da ilha enviou um emissário a convocá-lo, com a maior urgência.
D. Sebastião não demorou a comparecer.
— Aqui estou, Senhor. Que me quereis com tamanha pressa?
A voz do outro transpirou irritação.
— Quero dizer-vos que traístes o nosso pacto. Eu dei-vos licença para ficar aqui, desde que não provocásseis perturbações na nossa vida.
— É então… de que me acusais?
Num rompante de cólera, o senhor da ilha avançou para ele.
— Ainda ousais perguntar?... Pois não sabeis o que fizestes às minhas filhas? Eram as duas irmãs mais amigas deste mundo... Agora, odeiam-se! E odeiam-se por vossa causa!
O moço rei baixou a cabeça. Vencido. Emocionado.
— Tendes razão... Hoje mesmo sairei desta ilha!

Armand Point (1861-1932), A Eterna Quimera

E assim sucedeu, segundo conta a voz da tradição. Tal como chegara na névoa do mistério, ele abalou também numa manhã de nevoeiro. O nevoeiro que sempre acompanhava a sua vida...
Mas conta a lenda ainda que as duas irmãs, ao saberem dessa abalada, se revoltaram abertamente contra seu pai. E fosse pelo que fosse — por magia ou coincidência, ou por qualquer desígnio superior — verdade é que nesse mesmo momento a ilha de Arguim desapareceu engolida pelo oceano, arrastando consigo a Esperança e a Saudade d’el-rei D. Sebastião... E enquanto se sumia nos mares a ilha de Arguim, ia espontando numa auréola de luz e de encanto outra ilha maior e mais bela: a ilha da Madeira.

E foi aí que o moço rei D. Sebastião, nessa aventura errante e infinita, resolveu deixar para sempre a sua companheira de tantas horas e de tantas honras, essa espada ainda ensanguentada pelas recordações de Alcácer Quibir.
Passando pela ilha da Madeira, D. Sebastião teria fincado a sua espada toda de ouro na rocha do cabo Garajau. E teria dito, numa verdadeira expressão de êxtase:
— Aqui vos deixo, minha bem-amada... Mas um dia virei buscar-vos... Um dia, quando voltar a ser o Capitão de Deus!
E de novo seguiu o seu caminho, deixando a Ilha do Sol e perdendo-se na bruma do futuro.
Porém, para muitos, talvez um dia ele volte, na verdade, a buscar a sua espada ao cabo Garajau, e a desenterrar a Esperança e a Saudade que ficaram sepultadas na ilha que está no fundo do mar...


MARQUES, Gentil, Lendas de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962] , p.Volume II

D. Sebastião, o Encantado do Ilhéu de Vila Franca


Um pequeno ilhéu ergue-se como uma sentinela de catadura ríspida e dura em frente a Vila Franca, na ilha de S. Miguel e nesse mesmo sítio existe uma ilha encantada povoada de numerosos habitantes.
Em noites de lua, vêem-se vultos de homens como fantasmas brancos. É D. Sebastião que aí vive com os seus companheiros. Nos dias nevoentos, quando a bruma encobre as formas nítidas do ilhéu, vêem-se ondulações de roupa branca que se aproximam da beira do penedo e de lá acenam aos vilafranquenses. Nesses dias, o encantado torna-se visível durante algum tempo e na brisa que sopra brandamente ouve-se uma voz que diz “coragem e fé!”
Uma vez um navio aproximou-se do ilhéu, e descarregou trigo e outros cereais para abastecimento dos encantados que aí vivem à espera do desencantamento.
Esse há-de quebrar-se um dia e D. Sebastião inaugurará um novo império de paz e ventura. Mas a felicidade não será perfeita porque, nesse mesmo momento, a vizinha ilha de Santa Maria desaparecerá com os seus habitantes, submergindo-se nas profundezas do Atlântico.


FURTADO-BRUM, Ângela, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999

O rei D.Sebastião e a ilha encantada

Ainda há um século atrás se encontrava muita gente com bilhas cheias de água, vindo da fonte. Iam buscá-la para os arranjos da casa, para os animais. Muitas vezes iam mesmo de noite, quando havia menos pessoas à espera de encher a bilha.
Certa noite de lua cheia, as tias Bastos, da Ribeira Seca da Ribeira Grande, aproveitaram a calada da noite para irem à fonte. Enquanto esperavam que as talhas se enchessem, olhavam o majestoso mar que se estendia no seu azul negro lá ao longe.
De repente viram o mar abrir-se e fazer um longo caminho. Apareceu depois um homem jovem, muito belo, vestido como um rei e montado num cavalo branco. Veio-se aproximando, cavalgando, e ao chegar, perguntou com voz serena:
— Quem vive?
Repetiu a pergunta três vezes, mas as velhas, pasmadas e amedrontadas, puseram as bilhas à cabeça e fugiram sem responder Enquanto corriam para casa, olharam para trás e viram o rei caminhar para o mar de cabeça baixa, em passo vagaroso, fechando-se a estrada atrás dele.
No dia seguinte, as tias Bastos contaram aos vizinhos o que lhes tinha acontecido na noite anterior e ficaram a saber que aquele jovem era o rei D. Sebastião e que, quando o rei lhes perguntou “Quem vive?” deviam ter respondido “D. Sebastião mais a sua nação”. Teriam assim desencantado o rei e a ilha em que vive e que se chama D. Sebastião. Mas ao mesmo tempo que esta ilha se desencantasse, encantar-se-ia uma das ilhas dos Açores de nome feminino.
A ilha e o rei ainda continuam encantados e de sete em sete anos, numa noite de lua cheia, o infeliz rei vem a terra esperando que alguém o desencante.

FURTADO-BRUM, Ângela, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999

A Ilha Encantada



Há no Faial uma lenda, que fala de uma Ilha Encantada, que aparece e desaparece, misteriosamente, entre a rocha da Penha d’Águia e o Porto Santo, onde se encontra o rei D. Sebastião.
Diz a tradição oral do povo desta terra que D. Sebastião ergueu a sua espada e batendo com ela na rocha disse: Abre-te terra que eu quero me encantar. E assim continua enfiada a sua lança na rocha da Penha d’Águia.
O povo crê que o Rei Encantado se há-de desencantar e voltar com o seu exército, para derrotar os inimigos da Fé e da Nação.
Conta-se que andando, um dia, uns pescadores a pescar, nessas proximidades, foram surpreendidos pela visão duma terra encantadora, de verdes prados, paisagens deslumbrantes e amenas ribeiras de água cristalina.
Nela viam vacas a pastar, lavandeiras a lavar roupa à margem das ribeiras e roupa a corar ao Sol. Viam também muitas laranjeiras carregadas de laranjas maduras, um palácio com um jardim de lindas flores e um Rei com o seu exército.
Correram os pescadores para na Ilha desembarcar, porém, ao tentarem colocar os pés nela, esta desapareceu como por encanto.


VELOSO, Manuel Teixeira, Faial, Memórias de uma Freguesia, Funchal, Calcamar, 2000

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A Ribeira do Guilherme e a Ilha Encantada

 de Elisabeth Sonrel (1874-1953)


Há muitos anos atrás, lá para as bandas do Nordeste (ilha de S. Miguel), mesmo em frente à Ribeira do Guilherme, existia uma ilha admirável, fértil e rica, constantemente aquecida por um sol de Primavera e onde os ventos eram só suave brisa. Os seus habitantes viviam em palácios dourados e entre todos reinava uma constante ventura. Nesta ilha governava uma formosa princesa, que era o orgulho dos seus súbditos. A pele alvíssima, os cabelos de ouro, os olhos mais azuis que o mar e uma bondade natural faziam da princesa um ser admirável. Embora fosse requestada por grandes senhores e poderosos reis, a jovem rejeitava com humildade todos os pedidos de casamento.

Certo dia aportou à ilha uma embarcação com mensageiros de um riquíssimo monarca que, ao serem recebidos pela princesa, logo declararam a sua missão: pedir-lhe a mão para o seu amo e senhor. Engendraram belos discursos, fizeram promessas maravilhosas, rogaram por fim, mas não conseguiram demover a princesa do propósito de se manter solteira.
Desiludidos, voltaram para a sua distante terra e, depois de uma longa viagem, apresentaram-se perante o rei, que os esperava ansioso, mas seguro de que em breve casaria com a desejada princesa. Quando ouviu pela boca dos emissários a resposta negativa e humilhante, ficou aturdido e furioso.

Sabendo que na última província do seu reino vivia uma fada de fatídicos poderes, mandou-a chamar imediatamente e transmitiu-lhe o seu desejo: queria que a ilha verdejante da princesa, com todos os monumentos, tesouros e habitantes fosse submergida.
A fada, tomando a vara de condão e pronunciando algumas palavras, fez imediatamente a ilha afundar-se no mar em frente à Ribeira do Guilherme, que assim ficou encantada para sempre.
Mas de sete em sete anos, na noite de S. João, a ilha aparece, toda branca, entre densas neblinas, pronta a ser desencantada por um sacerdote que vista as vestes sacrificatórias. Estas circunstâncias têm sido tão difíceis de reunir que a ilha continua encantada.

Uma vez, um navio carregado de trigo foi desviado por força misteriosa e, emergindo das águas um cavaleiro de elmo reluzente, exigiu que o capitão lhe cedesse todo o cereal por preço compensador. O trigo foi descarregado e o cavaleiro desapareceu, satisfeito porque o trigo iria abastecer a população da ilha encantada.
Nas noites de Inverno, quando o mar bravo fustiga os rochedos da costa e entra pela Ribeira do Guilherme, ainda se ouve a bela princesa queixar-se, desolada com o seu destino.


FURTADO-BRUM, Ângela, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A ilha de S.Brandão
















Decorria o último quartel do século quinze e a ilha Terceira começava a povoar-se. Muitas pessoas então acreditavam que, algures no Atlântico, ficava a maravilhosa ilha de S. Brandão, o Paraíso. 
Maria, uma jovem terceirense, bondosa e bela, tinha também ouvido falar da história de S. Brandão a um franciscano e, nos serões da sua casa de campo, doutrinava as pessoas rudes e analfabetas, rezava com elas o terço, acabando sempre a devoção com uma oração a S. Brandão.

Por essa altura, chegou à ilha Terceira Vital Dieudonné de Gozou, um jovem que saíra de Rodes para as Baleares e dali para os Açores, em busca da ilha de S. Brandão. Era aspirante a cavaleiro de Rodes e trazia bordada no seu gibão a divisa: “Pela fé”.
Maria e Vital viram-se e apaixonaram-se. O jovem dividiu com a sua dama as relíquias de S. Brandão que trazia ao peito, herdadas de seu avô, e, timidamente, perguntou-lhe se ela lhe correspondia no amor. Mas Maria, talvez receosa do que lhes podia acontecer, respondeu em voz doce e comovida:
— Para te falar do meu amor preciso de estar a sós contigo, onde só Deus nos veja.

Poucas outras vezes se encontraram porque, entretanto, o filho do capitão donatário da ilha Terceira tinha-se apaixonado por Maria e pediu-a em casamento. A jovem, que já tinha entregue o seu coração, recusou o pedido e, como castigo, foi mandada encerrar no quarto mais alto do castelo de S. Luís.
Porém o tempo de clausura e sofrimento não durou muito porque um súbito tremor de terra fez abater o recanto do castelo em que a tinham fechado. No momento em que Maria caía da janela que se desmoronava, dois anjos, transformados em pombas, levaram-na sobre as asas abertas.

A jovem estava maravilhada por não se ter despedaçado na queda, mas também por ver para onde a conduziam, sobre as casas, as árvores, o mar. A vila e a ilha iam ficando para trás e Maria perguntou:
— Lindos Anjos, o Paraíso é ainda muito longe?
— As relíquias de S. Brandão que levas garantem-te o céu, que não fica longe daqui — respondeu um dos Anjos.
Já se via por entre uma bruma azulada um grande bosque, dois rios que corriam mansamente, ladeados de choupos e salgueiros. O jardineiro, S. Brandão, tinha tudo muito limpo. Os rouxinóis entoavam melodias próprias do Céu. Um dos Anjos disse:
— Chegamos, finalmente. Eis o jardim das delícias.

Maria deixou as asas dos Anjos e foi conduzida ao seio dos escolhidos do Senhor por um Querubim.
Lá longe, na Terceira, Vital estava muito infeliz pela morte de Maria e a ilha não tinha já para ele qualquer beleza. Só pensava em voltar a vê-la e embarcou, agora ainda mais decidido, à procura da ilha de S. Brandão, onde sabia que Maria devia estar.

Muitos dias e noites viajou pelo oceano, até que, numa tarde, enxergou no horizonte uma ilha.
Inesperadamente a luz do sol deu lugar à noite, as nuvens tomaram uma cor de chumbo, a superfície das águas escureceu medonhamente. De repente um jacto de luz inundou o espaço enlutado e, subitamente, o barco ficou atracado ao cais com que Vital tantas vezes sonhara.
Como cume da felicidade, ali estava Maria, sorridente e de braços abertos, dizendo-lhe em voz divina:
— Para te falar do meu amor precisava estar a sós contigo, onde só Deus nos visse. Enfim, podemos falar livremente. 

Estavam os dois juntos na ilha de S. Brandão ou Paraíso para gozar a felicidade.


FURTADO-BRUM, Ângela, Açores: Lendas e outras histórias, Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Em busca...

sábado, 13 de agosto de 2011

"Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar" *

* Fernando Pessoa



sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A Dança dos Gigantes

por Daniel Bower

Salisbury Plain, no sul de Inglaterra, alberga vários monumentos pré-históricos como Woodhenge, Durrington Walls e, o mais famoso, Stonehenge. A sua construção ocorreu em etapas que se prolongaram durante séculos         (desde 3100 a 2800 AC, aproximadamente). Os povos neolíticos do período eram agricultores com um pequeno número de animais domesticados. Por volta de 2500 AC, chegaram pequenos grupos, chamados de Beaker People (por causa da sua cerâmica), que aí se estabeleceram  e miscigenaram com os nativos. Os esforços dessa comunidade contribuiram para a grandeza de Stonehenge - construções e remodelações prolongaram-se até cerca de 1100 AC.

Ao longo dos séculos, quando as suas origens já há muito haviam sido esquecidas, muitas lendas e histórias surgiram sobre este particular círculo de pedras. Alguns sustentam que Stonehenge é o "umbigo" da Grã-Bretanha, o centro a partir do qual se espalhou a criação e onde as energias do céu, da terra e do submundo se unem. Daqui corre o fio da vida, percorrendo toda a Árvore do Mundo, desde as alturas até às profundidades das raízes subterrâneas.

por Daniel Bower

A presença de Stonehenge representará assim a chegada a um ponto do desenvolvimento pessoal em que energias, previamente fragmentadas, se unem, trazendo assim um sentido de completude e uma nova abordagem da vida. O círculo de pedras lembra-nos a natureza circular da vida. A carta do Universo marca o fim dos Arcanos Maiores, mas também a conclusão de um ciclo e a esperança e nova vitalidade anunciadas pela carta do Louco. O mistério de Stonehenge ecoa o mistério da carta do Universo pois contém o elemento do desconhecido.

Quase como seria de esperar, Merlim é associado a Stonehenge. O círculo de pedras teria sido usado pelo grande mago para o estudo das estrelas. Geoffrey de Monmouth, nas suas crónicas, chega a atribuir-lhe a responsabilidade pela construção do templo. 

Segundo a lenda, o rei Vortigern e o seu conselho foram convidados por Hengist, o líder dos Saxões, para discutirem a paz, mas foram mortos à traição pelos guerreiros saxões. Os quatrocentos e sessenta nobres foram depois enterrados numa vala comum em Salisbury Plain.


Anos depois, Ambrosius, depois de conseguir o restauro relativo da paz em todo o reino, decidiu que as vítimas da traição mereciam uma homenagem por meio de um monumento e pediu ajuda a Merlim. Este disse-lhe que se queria um monumento eterno, deveria ordenar a transferência para Salisbury Plain do Anel dos Gigantes - um anel megalítico de pedras erigido no Monte Killarus, na Irlanda. As pedras tinham poderes curativos e Ambrosius concordou, enviando para a Irlanda Merlim, Uther e os seus homens a fim de realizarem todo o processo. E foi graças às artes extraordinárias de Merlim que tamanha empresa foi bem sucedida. 

Uma vez em Salisbury Plain, Merlim ergue de novo as pedras e Ambrosius condecorou o mago pela sua façanha extraordinária. Ainda hoje, os gigantes dançam em Salisbury Plain.


quarta-feira, 27 de julho de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: o Universo

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

Sob os céus e entre as pedras, a bailarina celebra a vida na sua dança da vitória do ser. O êxtase vem do interior, quando o consciente e o subconsciente trabalham em uníssono. Isto conduz à dádiva da fé e abre as portas da compreensão. 

A dança da mulher representa a entrega e o gozo da vida. O seu véu iridescente de luz flutua ao seu redor sem lhe restringir os movimentos denotando um estilo de vida  e um ambiente flexíveis. Ela é perfeitamente natural, desinibida, livre para dançar com o universo. O bastão nas suas mãos indica que ela é senhora do seu próprio destino, não vivendo sob regras ditadas por outros. Ela segura-o com confiança e fé; não há aqui batalhas internas de controlo.

À medida que dança, percorre o círculo de pedras. As quatro energias da terra estão representadas nas pedras da frente - o culminar e o equilíbrio entre elas: o homem / Aquário, ar; o touro / Touro, terra; o leão / Leão, fogo; e a águia / Escorpião, água. As qualidades que trazem à carta são respectivamente: inteligência e independência; determinação e estabilidade; força e entusiasmo; conhecimento intuitivo e alcance espiritual.

A Igreja associa o homem a Mateus, Encarnação; o touro a Lucas, Paixão; o leão a Marcos, Ressurreição; a águia a João, Ascensão.

domingo, 10 de julho de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: o Julgamento

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

O rei moribundo é transportado para Avalon. É um ritual de passagem. Artur atendeu o chamado e cumpriu o seu destino, como indica o espírito  que soa a trombeta -  o sinal de que um ciclo chegou ao fim e outro começa. As águas agitam-se e tomam a forma de ondinas, indicando a natureza transformativa desta carta. 

Artur é escoltado à Ilha Afortunada para poder repousar em paz. Esta viagem representa o desfecho de um julgamento. A ilha está envolta em brumas, pois a nova existência só se revelará depois da transformação. Só assim se desvendará um mundo de novas possibilidades. 

As sacerdotisas que acompanham o rei indicam o apoio durante a transição e a cura. O corpo de Artur é o velho Eu que morre e Avalon é a busca da juventude e da imortalidade.

sábado, 25 de junho de 2011

Lleu


Lleu, "O da Mão Habilidosa", era uma divindade solar, mestre de muitos talentos - carpinteiro, poeta, músico, curandeiro e mágico. Ligado à fertilidade da terra, Lleu presidia ao casamento sagrado entre a terra e o rei. O festival de Lleu é conhecido como Lughnasa e ocorre no primeiro dia de Agosto. Nesta celebração ocorriam corridas de cavalos, jogos e danças.

Lleu era filho de Arianrhod. A sua mãe lançara-lhe uma série de maldições, incluindo a promessa de que não teria um nome se ela não lhe pusesse nenhum, não pegaria em armas se não fosse por ela investido e nunca casaria com uma mulher da raça humana. Com a ajuda do tio Gwydion, que o criou, Lleu venceu todas as interdições, embora a mulher invocada por seu tio e pelo mago Math quase o tivesse votado à desgraça.


Blodeuwedd (cujo nome significa "nascida das flores" ou "rosto de flor") era uma bela mulher encantada. Foi conjurada por Math e Gwydion para que desabrochasse dos botões em flor dos carvalhos, da giesta e da ulmeira, e desposasse Lleu. 

Por uns tempos, o jovem casal foi feliz, mas um dia Lleu foi visitar Math e, na sua ausência, Blodeuwedd ofereceu a sua amável hospitalidade a um caçador que seguia de passagem, Garonwy, o senhor de Pennlyn. Os dois apaixonaram-se e começaram a congeminar o assassínio de Lleu, uma empresa difícil já que Lleu só podia ser morto se tivesse um pé apoiado no dorso de uma cabra e o outro na beira de um caldeirão que tivesse sido usado como banheira, e só uma lança cuja confecção tivesse durado um ano inteiro poderia trespassá-lo.


Embora os dois amantes tivessem conseguido reunir todas as condições para o atacar, ele não morreu, conseguindo desaparecer no céu sob a forma de uma águia. Depois de ter recuperado dos ferimentos e de Gwydion o ter restituído à forma humana, Lleu voltou para se vingar. Ele e o tio perseguiram Garonwy que se escondeu atrás de uma rocha. Foi em vão pois a lança de Lleu perfurou a pedra e matou-o. Por sua vez, Gwydion transformou Blodeuwedd numa coruja, a ave que só mostra a sua face à noite.


Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: o Sol

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

A força crescente do sol que nasce estende o seu calor a Lleu. O sol representa a mente consciente, em contraste com a lua. A sua luz simboliza os pensamentos direccionados que trazem conforto, os planos e os sucessos. Os raios do sol conferem calor, crescimento e permitem a colheita.

Lleu é o correspondente galês, por assim dizer, ao deus irlandês Lug. Traz com ele as bênçãos luminosas do sol e, através do poder da sua luz, surge a ordem após a desorientação lunar. A presença de Lleu também enfatiza o estabelecimento de compromissos. Este deus era evocado no casamento sagrado entre o rei e a terra, uma união da qual o bem estar comum dependia.

A espada invencível de Lleu indica o poder discriminador do intelecto e a sua capacidade de cortar com comportamentos incongruentes ou padrões de pensamento inadequados. Esta ideia é reforçada pelo seu manto vermelho, a cor de Lleu (e mais tarde de Galahad), símbolo da dedicação apaixonada que se manifesta em actividades mundanas.

O cavalo representa o progresso e a sabedoria. Os cavalos feéricos dos heróis eram capazes de percorrer longas distâncias em muito pouco tempo. Muitas vezes, falavam e transmitiam o seu conhecimento aos  cavaleiros.


sábado, 18 de junho de 2011

Descobrir o Tarot com as lendas arturianas: a Lua

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

Protegida pela magia da lua, Morgana passeia pelos mundos desconhecidos. A lua governa as emoções, crescentes e decrescentes, e os níveis de energia. A sua associação ao inconsciente representa uma inspiração ilimitada para a imaginação. Ao ser a reflectora da luz do sol (o consciente), ela ilumina as dimensões ocultas da mente. As emoções, a intuição e os sonhos trazem à tona assuntos e ideias que antes permaneciam apenas vagos. 

A água simboliza o conhecimento em expansão, contido no subconsciente. Os reflexos na sua superfície representam a dificuldade na compreensão do seu significado, tantas vezes distorcido pela imperfeição dos canais de comunicação. O luar altera não só a paisagem física mas também a psicológica. O que era aceitável à luz do dia, pode tornar-se ameaçador à noite e a viagem torna-se assim uma experiência assustadora e caótica. A crença de que a lua pode causar a perda do juízo está presente em palavras como lunático e aluado.

O corvo poisa calmamente nos ramos, um aviso sinistro destes perigos enquanto que a árvore é ela mesma o símbolo do crescimento involuntário que a psique sofre numa fase destas.

domingo, 12 de junho de 2011

Dindirindin

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A rainha de Kachmir

Erko

O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir
Era a diamantes bordado,
Como luar num terrado!...
Parecia o céu estrelado
Ou a visão de um faquir
O vestido de noivado
Da rainha de Kachmir.

Se é a Via Láctea, em suma,
não há olhar que destrince!...
Nenhuma vista, nenhuma
jurará se é neve ou pluma,
se é leite, ou astro, ou espuma,
nem o próprio olhar do Lince...
Se é a Via Láctea, em suma,
não há olhar que destrince!

Levava, nas mãos patrícias,
leque de rendas e sândalo...
Oh! que mãozinhas... delícias
para amimar com blandícias,
para beijar com carícias
,que adorariam um Vândalo...
Levava, nas mãos patrícias,
leque de rendas e sândalo.

Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!...
Seu manto, púrpura e arminhos,
não rojava nos caminhos,
pois sua cauda, aos saltinhos,
levava-a um núbio muleque.
Cor da lua, os sapatinhos
eram mais subtis que o leque!

Eis que, no meio da boda,
entrou um moço estrangeiro...
Calou-se a alegria doida
da grande assembleia, em roda!
E a brilhante sala toda
fitou o jovem romeiro.
Eis que, no meio da boda,
entrou um moço estrangeiro...

Pegou no copo, com graça,
e brindou, em língua estranha...
E a rainha, a vista baça,
como a um punhal que a trespassa,
encheu de prantos a taça,
e o seu lenço de Bretanha...
Chorou baixinho, ao ouvir, com graça,
esse brinde, em língua estranha!

Encheu de pranto o vestido,
encheu de pranto os anéis...
E, sem soltar um gemido,
chorou, num pranto sumido,
o seu passado perdido,
os seus amores tão fiéis!...
Encheu de pranto o vestido,
encheu de pranto os anéis.

Quem era o moço viajante
Que fez turbar a rainha?...
Era o seu primeiro amante,
tão leal e tão constante,
que, do seu reino distante,
brindar ao Passado vinha...
Tal era o moço viajante,
que fez turbar a rainha.

Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!
Por um brinde ao amor passado,
ficou de pranto alagado
o vestido de noivado
da rainha de Kachmir.
Saudades de amor quebrado
fazem lágrimas cair!...

Gomes Leal(1848-1921), "Serenata de Hilário"

Erko

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Douce Dame Jolie




Douce dame jolie,
Pour dieu ne pensés mie
Que nulle ait signorie
Seur moy fors vous seulement.

Qu'adès sans tricherie
Chierie
Vous ay et humblement
Tous les jours de ma vie
Servie
Sans villain pensement.

Helas! et je mendie
D'esperance et d'aïe;
Dont ma joie est fenie,
Se pité ne vous en prent.

Douce dame jolie,
Pour dieu ne pensés mie
Que nulle ait signorie
Seur moy fors vous seulement.

Mais vo douce maistrie
Maistrie
Mon cuer si durement
Qu'elle le contralie
Et lie
En amour tellement

Qu'il n'a de riens envie
Fors d'estre en vo baillie;
Et se ne li ottrie
Vos cuers nul aligement.

Douce dame jolie,
Pour dieu ne pensés mie
Que nulle ait signorie
Seur moy fors vous seulement.

Et quant ma maladie
Garie
Ne sera nullement
Sans vous, douce anemie,
Qui lie
Estes de mon tourment,

A jointes mains deprie
Vo cuer, puis qu'il m'oublie,
Que temprement m'ocie,
Car trop langui longuement.

Douce dame jolie,
Pour dieu ne pensés mie
Que nulle ait signorie
Seur moy fors vous seulement.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O dragão de fogo


Nos tempos turbulentos que antecederam o reinado de Artur, a terra era governada (de acordo com as crónicas de Geoffrey de Monmouth) por Constantino. Após a sua morte às mãos de um Picto, Vortigern usurpou o trono  da seguinte forma: Constantino tinha três filhos, sendo o mais velho um monge chamado Constans. Vortigern encorajou Constans a deixar o mosteiro e assumir o poder, mas pouco tempo depois também ele foi assassinado. E assim Vortigern ocupou o trono.

Os guardiões dos dois filhos mais novos de Constantino, a fim de salvar a vida das crianças, levaram-nos então para longe da ambição perigosa de Vortigern. Os dois rapazes constituíam assim a esperança da Bretanha - Aurélio Ambrósio e Uther, este último o futuro pai de Artur.


Enquanto os rapazes cresciam e aprendiam as artes da guerra, as políticas de Vortigern conduziram o reino à desgraça. Os mercenários Saxões que tinham sido contratados para defender a terra de invasores, tornaram-se também eles numa ameaça. Apesar disto, Vortigern, enlouquecido de desejo, entregou ao líder dos Saxões, Hengist, a terra de Kent em troca da sua bela filha Rowena. O povo revoltou-se por ter agora uma rainha Saxã.

Devido ao tumulto, Vortigern procurou refúgio em Gales (ver a fortaleza de Vortigern). Por estas alturas, dá-se o regresso triunfante de Ambrósio e Uther. Conduziram o seu exército até Gales e sitiaram Vortigern. A sua fortaleza foi incendiada na batalha e as chamas puseram fim à sua tirania. Os irmãos viraram depois a sua atenção para os Saxões e capturaram Hengist, que foi depois condenado à morte pelo assassínio de vários nobres Bretões.

E assim a Bretanha iniciou uma lenta recuperação, governada pelo sábio Ambrósio. No entanto, quando este morreu envenenado, o povo, ainda marcado pelo sofrimento, temeu o pior. Foi neste tempo de precariedade que um faiscante cometa atravessou os céus. A sua forma assemelhava-se a um dragão e Merlin anunciou que era um bom auspício para Uther Pendragon ("Cabeça do Dragão"), e para o seu futuro herdeiro, que traria a união e a paz à terra. 
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