segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Culhwch e Olwen

Olwen, na mitologia galesa, era filha do gigante Yspaddaden e tinha por pretendente Culhwch, um dos guerreiros de Artur. A madrasta de Culhwch odiava-o tanto que lhe lançou a maldição de só poder casar com a filha do temível gigante, mas ambos os jovens apaixonaram-se profundamente um pelo outro.


Olwen vagueia pelo Outro Mundo, aqui representado como um idílio frondoso e tranquilo. (Ilustração de Alan Lee, 1984)

O obstáculo que Culhwch devia superar era o de convencer o gigante a concordar com o casamento. As pálpebras de Yspaddaden precisavam de suportes que as sustentassem para poder contemplar Culhwch. Em encontros sucessivos entre o pretendente e o pai da noiva, Yspaddaden atirava a Culhwch e aos seus companheiros uma lança envenenada, mas de cada vez eles conseguiam apanhá-la e devolvê-la à precedência. Quando finalmente Culhwch conseguiu fechar um dos olhos do gigante com um arremesso da lança, Yspaddaden consentiu no casamento com a condição do jovem realizar uma série de tarefas.

Entre outras coisas, Culhwch teria de extirpar uma floresta, queimar a madeira para fertilizante e arar a terra desbravada num só dia; convencer o deus ferreiro Govannon a forjar-lhe as ferramentas; arrastar quatro fortes touros para o ajudar; obter sementes mágicas; produzir mel nove vezes mais doce que o de uma colmeia virgem; trazer um cálice mágico e um cesto de comida deliciosa; obter do rei Gwyddbwyll o corno de beber e de Teirtu a harpa mágica, um instrumento que tocava sozinho; capturar os pássaros de Rhiannon, cujo canto despertava os mortos e embalava os vivos; buscar um caldeirão mágico, um dente de javali para o gigante se barbear e creme para a barba feito do sangue de uma bruxa; roubar um cão de mágico, a trela e o açaime; empregar o caçador Mabon, filho de Modon, que primeiro teria de libertar da prisão; encontrar um corcel maravilhoso e cães velozes; furtar um pente, tesouras e uma lâmina de entre as orelhas de um javali feroz; e convencer uma quantidade de convidados improváveis a virem à praça-forte de Yspaddaden.

Sem se deixar atemorizar com o número e complexidade das tarefas, Culhwch disse que o rei Artur lhe dispensaria cavalos e homens para o ajudar e informou também o gigante de que havia de voltar para o matar. Culhwch obteve os seus intentos, matou Yspaddaden e casou com Olwen.

Culhwch empreendeu uma demanda pela bela Olwen que consistia em trinta e nove tarefas impossíveis, a mais longa série de tarefas na mitologia celta. O herói foi auxiliado pelos guerreiros de Artur. (Ilustração de Alan Lee, 1984)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Festa de Avalon


O Equinócio de Outono (Mabon) tem a luz e a escuridão em equilíbrio, antes de começar a época sombria. É o segundo festival das colheitas na Roda do Ano, em que se agradece à Deusa o sustento que deu aos homens para os alimentar durante o Inverno que aí vem. Celebram-se sobretudo as vindimas e a colheita das maçãs, símbolo da vida renovada.

Mabon também é conhecido como  a festa de Avalon (a Ilha das Maçãs) e da colheita do vinho. A época da caça grossa começa nesta altura do ano. Por isso, a data é dedicada aos deuses da caça, da pesca e da plenitude, em agradecimento pelos benefícios já recebidos ou ainda aguardados.

Na perspectiva mitológica, este é o dia em que o Deus da Luz é vencido pelo seu irmão gémeo alter ego, o Deus da Escuridão. A noite conquista o dia ao tornar-se cada vez mais longa. A morte simbólica do Deus representa o poder do Sol que enfraquece.

O Deus da Luz também se identifica com uma figura do folclore anglo-saxónico, John Barleycorn, um espírito dos campos de milho, cujos grãos são um símbolo solar. A efígie desta figura costuma ser queimada no campo durante as festas.

No ritmo do ano, Mabon marca o tempo do descanso depois do trabalho das colheitas. Os piqueniques nos bosques fazem parte da tradição (nas regiões onde o clima o permite).



As cores são o vermelho, o castanho, o laranja e todas as cores do Outono. Os símbolos são a maçã, a cabaça, a cornucópia, as pedras tumulares e as grinaldas. A Deusa toma o aspecto da Mãe e os deuses são festejados como um casal de progenitores, a Terra-mãe e o Céu-pai.

Desta forma a Roda do Ano continua o seu percurso...


sábado, 18 de setembro de 2010

O Desejado










Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para o teu novo fado!

Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova,
A alma penitente do teu povo
À Eucaristia Nova.

Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Graal!

Fernando Pessoa, Mensagem

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Excalibur, de John Boorman

Excalibur é um filme de 1981, realizado por John Boorman. O filme é baseado na lenda do rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, escrita por Sir Thomas Malory, incidindo especialmente sobre a espada do rei, Excalibur. Conta com interpretações de Nigel Terry (Artur), Helen Mirren (Morgana), Liam Neeson (Gawain) e Gabriel Byrne (Uther Pendragon).

Na cena final, depois de perder Lancelot na batalha de Camlan, Artur é ferido mortalmente por Mordred que morre também às mãos do próprio pai. Percival, instruído por Artur, atira Excalibur para as águas. Artur é levado numa barca para Avalon.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A Peregrina

Marianne Stokes

A  peregrina
Andava a peregrinar
Em cata de um cavaleiro
Que lhe fugiu, mal pesar!
A um castelo torreado
Pela tarde foi parar:
Sinais certos, que trazia
Do castelo, foi achar.
- «Mora aqui o cavaleiro?
Aqui deve de morar.»
Respondera-lhe uma dona
Discreta no seu falar:
- «O cavaleiro está fora,
Mas não deve de tardar.
Se tem pressa a peregrina,
Já lho mandarei chamar.»
Palavras não eram ditas,
O cavaleiro a chegar:
- «Que fazeis porqui, senhora,
Quem vos trouxe a este lugar?»
- «O amor de um cavaleiro
Por aqui me faz andar.
Prometeu de voltar cedo,
Nunca mais o vi tornar.
Deixei meu pai, minha casa,
Corri por terra e por mar
Em busca do cavaleiro,
Sem nunca o poder achar.»
- «Negro fadairo, senhora,
Que tarde vos fez chegar!
Eu de vosso pai fugia
Que me queria matar;
Corri terras, passei mares,
A este castelo vim dar.

Antes que fosse ano e dia
(Vós me fizestes jurar)
Com outra dama ou donzela
Não me havia desposar.
Ano e dia eram passados
Sem de vós ouvir falar,
Co’a dona desse castelo
Eu ontem me fui casar...»
Palavras não eram ditas,
A peregrina a expirar.
- «Ai penas de minha vida,
Ai vida de meu penar!
Que farei desta lindeza
Que em meus braços vem finar?»

Do alto de sua torre
A dama estava a raivar:
- «Leva-la daí, cavaleiro,
E que a deitem ao mar.»
- «Tal não farei eu, senhora,
Que ela é de sangue real...
E amou com tanto extremo
A quem lhe foi desleal.
Oh! quem não se sabe ser firme,
Melhor fora não amar.»
Palavras não eram ditas
O cavaleiro a expirar.
Manda a dona do castelo
Que os vão logo enterrar
Em duas covas bem fundas
Ali junto à beira-mar.
Na campa do cavaleiro
Nasce um triste pinheiral;
E na campa da princesa
Um saudoso canavial.
Manda a dona do castelo
Todas as canas cortar;
Mas as canas das raízes
Tornavam a rebentar:
E à noite a castelhana
As ouvia suspirar.

sábado, 11 de setembro de 2010

Mistérios de Avalon: viagem no reino das lendas arturianas

Ao entrarmos no reino das lendas arturianas, descobrimos um mundo de aventura espiritual. É uma experiência de envolvimento simultâneo na memória colectiva Ocidental e na procura da dimensão do nosso próprio Eu. É uma viagem sagrada.

Mas nesta viagem não há mapas concretos nem instruções definidas. Apenas podemos escutar a voz do nosso íntimo.  Ouvindo os contos encantados das lendas de Camelot, podemos iniciar o caminho rumo aos imemoriais reinos do Poder. E teremos então de avançar por um caminho inteiramente nosso, na certeza de que as vias já trilhadas pertencem sempre aos outros.

A mensagem essencial da tradição arturiana é a de que o Poder só se alcança através do desenvolvimento pleno do nosso potencial de independência e autonomia. Ela exalta os poderes divinos de que cada coração dispõe para empreender a sua jornada em demanda do autêntico Eu.

Partamos para as nossas demandas rumo à transcendência - começando pelo ponto onde, para cada um de nós, parece haver um caminho.


Lisa Gerrard - Come Tenderness

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Rosalinda

Miranda - The Tempest, de William Waterhouse, 1916

Era por manhã de maio,
Quando nas aves a piar,
As árvores e as flores,
Tudo se anda a namorar;

Era por manhã de Maio,
À fresca riba do mar,
Quando a infata Rosalinda
Ali se estava a toucar

Trazem das flores vermelhas,
Das brancas para a enfeitar;
Tão lindas flores como ela
Não nas puderam achar.

Que é Rosalinda mais linda
Que a rosa, que o nenúfar,
Mais pura que a açucena
Que a manhã abre a chorar.

Passava o Conde almirante
Na sua galé do mar;
Tantos remos tem por banda
Que se não podem contar.

Cativos que vão remando
A Moirama os foi tomar;
Deles são grandes senhores,
Deles de sangue real.

Que não há moiro seguro
Entre Ceuta e Gilbreltar,
Mal sai o conde almirante
Na sua galé do mar.

Oh que tão linda galera,
Que tão certo é seu remar!
Mais lindo capitão leva
Mais certo no marear.

- «Dizei-me, ó conde almirante,
Da vossa galé do mar,
Se os cativos que tomais
Todos los fazeis remar?»

- «Dizei-me, bela infanta
Linda rosa sem igual,
Se os escravos que lá tendes
Todos vos sabem toucar?»

- «Cortês sois, Dom Almirante;
Sem responder, perguntar!»
- Responder, responderei,
Mas não vos hei-de enfadar.

«Cativos tenho de todos,
Mais basto que um anduar;
Uns que mareiam as velas as velas,
Outros são banco a remar.

As cativas que são lindas
Na popa vão a dançar,
Tecendo alfombras de flores
Para o senhor se deitar.

- «Respondeis, respondo eu,
Que é boa lei de pagar:
Tenho escravos pra tudo.
Que fazem o meu mandar;

Deles para me vestir,
Deles para me toucar...
Para um só tenho outro emprego,
Mas está por cativar...»

- «Cativo está, tão cativo
Que se não quer resgatar.
Rema, a terra a terra, moiros,
Voga certo, e a varar!»

Já se foi a Rosalinda
Com o almirante a folgar:
Fazem sombra as laranjeiras,
Goivos lhe dão cabeçal.

Mas fortuna, que não deixa
A nenhum bem sem desar,
Faz que um monteiro de el-rei
Por ali venha a passar.

- «Oh monteiro, do que visto,
Monteiro, não vás contar:
Dote tantas bolsas de oiro
Quantas tu possas levar.»

Tudo o que viu o monteiro
A el-rei o foi contar,
A casa da estudaria
Onde el-rei estava a estudar.

- «Se à puridade o disseras,
Tença te havia de dar:
Quem tais novas dá tão alto,
Alto há de ir... a enforcar,

«Arma, arma meus archeiros
Sem charamelas tocar!
Cavaleiros e peões,
Tudo à tapada a cercar.»

Inda não é meio-dia,
Começa a campa a dobrar;
Inda não é meia-noite,
Vão ambos a degolar.

Ao tope de ave-marias
Foram ambos a enterrar:
A infanta no altar-mor,
Ele à porta principal.

Na cova de Rosalinda
Nasce uma árvore real,
E na cova do almirante
Nasceu um lindo rosal..

El-rei, assim que tal soube,
Mandou-os logo cortar,
E que os fizesse em lenha.
Para no lume queimar.

Cortados e recortados
Tornavam a rebentar:
E o vento que os encostava,
E eles iam-se abraçar.

El-rei, quando tal ouviu,
Nunca mais pode falar;
A rainha, que tal soube,
Caía logo mortal.

- «Não me chamem mais rainha,
Rainha de Portugal...
Apartei dois inocentes
Que Deus queria juntar!»

Romanceiro, de Almeida Garrett

Sir Gareth

Gareth era o irmão mais novo de Gawain, filho de Morgause e de Lot de Orkney. Quando chegou a Camelot, decidiu permanecer incógnito e implorou que lhe fosse dada guarida por um ano. Sir Kay tomou-o a seu cargo e pô-lo a servir nas cozinhas.

Faziam troça dele e chamavam-no "Beaumains", por causa das suas mãos invulgarmente grandes e brancas. Lancelot e Gawain tornaram-se seus amigos, mas este último foi incapaz de reconhecer o seu próprio irmão.

Passado um ano, apareceu na corte uma donzela, de seu nome Lynette, a pedir que algum cavaleiro combatesse, pela sua irmã, contra Sir Ironside, o Cavaleiro Vermelho, que cercava o seu castelo.




















Beaumains solicita ao rei que o deixe partir nesta aventura e que o Lancelot o siga e o torne cavaleiro caso ele suceda na demanda.

Artur concorda e Gareth parte com Lynette. A donzela troça e desdenha constantemente do moço de cozinha que Artur lhe enviou para a ajudar.

Depois de muitas aventuras, Gareth prova a sua valentia e Lancelot declara-o cavaleiro, a fim de poder defrontar o Cavaleiro Vermelho, de igual para igual.

Apesar disso, Lynette continua a desdenhá-lo mas Gareth nunca esmorece. Consegue derrotar Ironside e ganha a afeição da irmã de Lynette, Lyonors.

Mas a história não acaba aqui. Lyonors promove um torneio no qual Gareth, usando um anel mágico que lhe permite mudar a cor da sua armadura, combate, mais uma vez incógnito, vários cavaleiros da Távola Redonda. Gawain determina-se a descobrir a identidade do jovem cavaleiro e os dois irmãos combatem.

Providencialmente, Lynette chega e detém-nos revelando-os um ao outro. A donzela sempre soubera quem era Beaumains e o seu desprezo não era mais do que uma prova ao valor do jovem Gareth. Com a sua magia cura os ferimentos dos dois irmãos e todos regressam a Camelot.

Gareth é finalmente reconhecido como filho de Morgause e Lot de Orkney e casa com Lyonors.


terça-feira, 7 de setembro de 2010

Iniciadores e Iniciados

Existe um claro padrão nas histórias dos cavaleiros de Camelot. A história de Sir Gareth, de Thomas Malory, em Le Morte d'Arthur, é um desses exemplos sobre "The Fair Unknown." Geralmente, aparece na corte um jovem de identidade desconhecida (mas que é, na verdade, filho de um herói) que aspira a ser cavaleiro. Depois de várias aventuras e, por vezes, de lutar (sem se saber) com o próprio irmão, é finalmente reconhecido e honrado por todos.

Na tradição arturiana existem muitas histórias em que o herói, disfarçado de criado de cozinha, é posteriormente descoberto e reconhecido como candidato legítimo a cavaleiro.

Em cada uma destas histórias, também há uma personagem cuja função é conduzir e testar o herói nas suas aventuras, colocando-lhe uma série de obstáculos. Quase sempre é uma figura feminina, dotada de poderes mágicos, e que propicia o reconhecimento final do jovem como um herói. Na história de Sir Gareth, por exemplo, essa figura é Lynette.

Podemos fazer uma correspondência entre esta figura feminina e a deusa. A sua função é guiar o herói e simultaneamente testá-lo. Deste modo, a Confraria da Távola Redonda deixa de ser uma simples ordem de cavalaria para ser um grupo de cavaleiros iniciados nos mistérios. Figuras como Morgana, Ragnall ou Lynette constituem uma parte essencial da tradição arturiana. São elas que desencadeiam os acontecimentos e que alteram para sempre o curso da vida dos neófitos. São elas que abrem a porta para o enigmático Outro Mundo...




Edmund Blair Leighton, The Accolade

sábado, 4 de setembro de 2010

Enid e Geraint

Enid and Geraint Reconciled, de George Wooliscroft e Louis Rhead, 1898

Enid e Geraint são as personagens principais no conto "Geraint, o Filho de Erbin", versão galesa do romance de "Erec e Enide" (1170) de Chrétien de Troyes. A versão galesa é do século XIII.

Em ambas as versões, o herói vence um torneio no qual cada cavaleiro lutava para defender a asserção de que a sua amada seria a mais bela. Como prémio ganha um falcão.

Quando Enid casa com Geraint, este tanto se deleita com os prazeres matrimoniais que negligencia os seus deveres de cavaleiro e torna-se assim, sem saber, alvo das críticas dos outros cavaleiros. Mas Enid apercebe-se e lamenta ser a causa da desonra do marido. Geraint ouve apenas a última parte do seu lamento, "O me, I fear I am no true wife" , e pensa que Enid lhe é infiel.

Obrigou então Enid a partir com ele numa dura incumbência, testando o seu amor e obediência durante todo o caminho. Como outras heroínas celtas de forte carácter, Enid suportou calmamente a sua provação, permanecendo fiel e dedicada. Geraint, por seu turno, foi acometido por remorsos por ter desconfiado e tratado tão mal a sua mulher. Depois de uma série de aventuras, o casal demonstra um ao outro as suas nobres qualidades.
Geraint olhou então para Enid e sentiu grande dor e sofrimento. Sentiu dor e sofrimento por ver que a cor havia abandonado o semblante de Enid. E sentiu dor e sofrimento por ver e entender que Enid era pura e inocente e que a razão estava com ela.
Mabinogion, de Lady Charlotte Guest


Enid Helps Geraint to Arm, de George Wooliscroft e Louis Rhead, 1898

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A Lenda da Ilha das Sete Cidades



Antília, também lhe chamavam. E foi porto sonhado de navegadores. Contou Fernando Colombo, o filho de Cristóvão Colombo, almirante de Espanha, que notícias dessa ilha perdida no Atlântico chegaram um dia à Madeira, notícias que fizeram nascer em seu pai desejos de partida e busca.

Muitas são as lendas referentes aos Açores que relatam a existência naquele local do Atlântico de uma enorme ilha, maravilhosa e estranha. As nove ilhas do arquipélago seriam para muitos, de acordo com essas lendas antiquíssimas, os restos de uma esplendorosa civilização que chega a ser ligada à mítica Atlântida descrita por Platão.

As cartas de marear anteriores aos descobrimentos marítimos traziam figurada a oeste de Portugal, no Atlântico Ocidental, uma enorme ilha designada Ilha das Sete Cidades. Segundo a tradição corrente, essa ilha era possuidora de riquezas fabulosas.

Conta a lenda que no tempo da invasão dos mouros, no ano714, um grupo de sete bispos fugiu da península com todos os cristãos que quiseram acompanhá-los. Embarcaram em navios, na foz do Douro, e partiram em busca de segurança e paz. Arrastados por uma terrível tempestade, os viajantes acabaram por dar por si frente a uma ilha deserta e de aparência paradisíaca. Estabeleceram-se e dividiram o território em sete parcelas onde cada bispo fundou uma cidade com governo próprio.

Tão bem se acharam que, para evitarem a fuga, dos habitantes que com eles haviam chegado, afundaram os barcos. Dali por diante, cada vez que uma embarcação chegava à ilha, por acaso, a tripulação era retida e os barcos destruídos para que no mundo exterior não fosse possível saber-se da existência daquela ilha utópica.

Diz-se que as cidades eram enormes e bem delineadas. Os palácios tinham paredes de ouro maciço. A paz total em que viviam possibilitava-lhes o estudo e a resolução de alguns problemas vitais e talvez por isso o trabalho do campo e a criação de gado desenvolviam-se a bom ritmo. Os bispos inventaram mil mecanismos auxiliares do trabalho manual, suavizando assim as condições de vida e possibilitando a todos os habitantes um desenvolvimento espiritual e filosófico só possível numa civilização em que o ócio não é um luxo. E as pessoas eram felizes e sem contendas.

Certo dia, não se sabe bem porquê, um enorme cataclismo assolou aquela ilha amada de Deus. A terra tremeu e fez desmoronar os maravilhosos palácios e muralhas das sete cidades, enquanto ondas gigantescas se encarregavam de apagar da face do mar a imagem daquele paraíso. No seu lugar ficaram pequenos restos de terra escancarados para o céu em picos de fogo e lava.

Por isso, quando os Portugueses chegaram aos Açores só lá encontraram nove pequenos pedaços de paraíso, perdidos na imensidão do mar. Riquezas já não existiam e gente não sobrevivera à fúria dos elementos. Tudo quanto restou foi a memória do paraíso fabuloso e duas belíssimas lagoas, uma verde, outra azul: a Lagoa das Sete Cidades.

in Lendas Portuguesas, de Fernanda Frazão
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