sábado, 30 de outubro de 2010

Samhain - um tempo fora do tempo



A noite de 31 de Outubro até à madrugada de 1 de Novembro é a primeira celebração do Inverno e o dia em que começa o ano novo celta. É também uma festa dos mortos. O cristianismo manteve a tradição da festa dos mortos, embora a restringisse aos mortos abençoados, daí que o feriado de dia 1 de Novembro se chame "dia de todos os santos". Como as pessoas exigiam o direito de celebrar também os seus mortos na data em que sempre o tinham feito, criou-se então o "dia de finados", a 2 de Novembro, conhecido em Inglaterra como o "dia de todas as almas".

É um tempo de começos e de encerramentos, através da morte no Inverno que se aproxima e do renascimento na próxima Primavera. Para os celtas, o tempo era cíclico. Nesta visão, a noite do ano novo era um ponto fora do tempo, o ponto em que o fim e o recomeço se ligavam, onde a ordem do universo se dissolvia no caos primordial, para se refazer numa nova ordem. Por isso, o Samhain era uma noite fora do tempo e desta forma era o momento apropriado para se ter acesso a qualquer outro ponto do tempo. Esta data também era conhecida como "o dia entre os anos". O dia antes de Samhain era o último do ano, e o dia a seguir era o primeiro do novo ano. Samhain encontrava-se entre os dois anos, sem pertencer a nenhum deles, sendo por isso particularmente mágico.

Nos tempos antigos, o povo celta celebrava a festa dos mortos para honrar a memória dos seus antepassados, pois esta era a noite em que as barreiras entre o mundo dos vivos e o dos mortos estavam mais finas e permeáveis, permitindo aos antepassados misturarem-se com os vivos, recebidos e festejados pelos seus parentes, trazendo por sua vez as bençãos do outro mundo. O véu entre este mundo e o dos mortos era levantado, e aqueles que estavam preparados podiam aventurar-se a ir até ao outro lado. Os rituais dos druidas pretendiam contactar os espíritos dos mortos, que eram vistos como guias e conselheiros. Os espíritos dos familiares, guardiães da sabedoria da tribo, eram honrados e festejados.

É a noite em que se contam histórias de fantasmas, em que se interpretam as cartas do tarot e que se estimula a capacidade de visualisação apoiada na superfície de um espelho ou de uma bola de cristal. Também são realizados encantamentos para afastar as situações negativas, de forma a renovar a energia para uma nova vida.

O costume de usar disfarces nesta data (tradição muito divulgada nos países anglófonos) começou por ser uma tradição em que as pessoas vestiam as roupas do sexo oposto, de acordo com o caos em que a realidade e o sobrenatural se interpenetravam. Era a data em que a ordem da sociedade podia ser quebrada e as pessoas podiam dar largas à brincadeira e à doidice (semelhante ao Carnaval).


Os celtas não acreditavam em demónios, mas as fadas eram muitas vezes consideradas hostis e perigosas para os humanos, sobretudo quando se queriam vingar dos homens que inadvertidamente ocupavam as suas terras. Nesta noite, aproveitavam a passagem entre os mundos para fazer partidas aos humanos, atraindo-os para que se perdessem para sempre nas terras das fadas, sem encontrarem a saída da sua dimensão. Muitas pessoas tinham o costume de se disfarçarem para pregar partidas aos vizinhos, fazendo-se passar por fadas, levando pepinos esculpidos como se fossem caras, para conseguirem um aspecto mais sobrenatural (as abóboras, originárias da Argentina, só foram introduzidas na Europa depois da descoberta das Américas).

A cabeça feita com uma abóbora oca, com uma vela acesa lá dentro (Jack o'Lantern), é um dos ícones desta data mais populares nos países anglófonos. As abóboras eram usadas como lanterna pelas pessoas que viajavam pelas estradas durante esta noite para que a carantonha afugentasse os espíritos ou as fadas que se cruzassem no seu caminho. Também eram colocados nas janelas e varandas, com a mesma intenção protectora do lar. Em Portugal, na zona de Guimarães, era costume meter uma vela acesa dentro de uma cabaça oca, no topo de uma vara que se espetava no chão durante as desfolhadas para assustar os vizinhos e na região de Aveiro, ainda hoje é hábito fazer papas de abóbora no dia dos Fiéis Defuntos.

Havia ainda o costume de deixar oferendas (comida e leite) à porta das casas, para que as fadas, em vez de importunarem os humanos, lhes agradecessem a oferta com a sua protecção. Os brincalhões disfarçados que andavam pelas ruas durante esta noite, aproveitavam para pilhar, ou mesmo exigir, essas oferendas. Vem daí o costume, nos países anglófonos, das crianças andarem disfarçadas de porta em porta, a pedir doces - em Portugal, também há o costume no dia 1 de Novembro de as crianças, em grupos, irem bater às portas e pedir o "pão por Deus" ou, em certas regiões, pedir "os santinhos".


A ideia de "noite das bruxas", divulgada pelo cristianismo, deu um aspecto muito negativo a esta data, que ainda hoje mantém a sua carga supersticiosa. Samhain, de acordo com a antiga divisão do ano em duas metades, é também conhecido por Halloween - da expressão All Allows Eve, "a noite em que tudo é permitido". As cores desta data são o negro, o laranja e o índigo. Os símbolos que lhe correspondem são o caldeirão, as velas votivas, o espelho mágico, as abóboras, os instrumentos de adivinhação (bola de cristal, tarot), a máscara e o Jack o'Lantern.

O aspecto da Deusa para este Sabbat é o da Anciã.

Referência Bibliográfica:
Garcia Baptista, Wicca a Velha Religião do Ocidente, Pergaminho


Blood Axis e In Gowan Ring - Dead men's slip-jig

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A canção de Amergin

Sou o vento que sopra sobre o mar,
Sou a onda do oceano,
Sou o murmúrio das vagas,
Sou o touro dos sete combates,
Sou o abutre sobre as rochas,
Sou um raio de sol,
Sou a mais bela das plantas,
Sou a valentia do selvagem javali,
Sou o salmão nas águas,
Sou um lago na planície,
Sou todo um mundo de conhecimentos,
Sou a ponta da lança de batalha,
Sou o deus que criou o fogo da mente.

Este poema consta na lenda das Invasões da Irlanda e terá sido declamado por Amergin - chefe bardo dos milésios, invasores da Irlanda - por volta de 1268 a.C., quando desembarcava na Irlanda. Foi preservado pelos monges irlandeses em forma de canção.


The song of Amergin - Lisa Gerrard

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Descobrir o Tarot com as Lendas Arturianas: A Sacerdotisa

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

A sacerdotisa Nimue encontra-se num bosque sagrado. Ela é uma das sacerdotisas de Avalon - mensageiras da Deusa e depositárias da sabedoria antiga. No bosque, Nimue é rodeada pelos espíritos. Ao contrário da Imperatriz, que é coroada pelos humanos, a Sacerdotisa é coroada pelo povo Fay. Curiosos, não conseguem evitar tocá-la e brincar com o seu cabelo. Afinal de contas, ela não é um deles. Esta interacção representa a sua sensibilidade a outros planos, invisíveis para os humanos.

Misteriosa, curandeira talentosa e conselheira, ela também é respeitada pelos homens - a sacerdotisa caminha em ambos os mundos. Nimue está envolvida num manto iridiscente que simboliza o seu estado iluminado. A cor do seu vestido e do ambiente que a rodeia é púrpura e azul escuro - as cores do conhecimento místico.

Ao invés do tradicional livro no colo da Sacerdotisa, encontramos a chama que paira entre as suas mãos, símbolo da sua receptividade ao conhecimento. A sua arte não se adquire exclusivamente através do esforço e do trabalho. A sua capacidade inata para canalizar a energia eleva-a à posição de Sacerdotisa.

sábado, 23 de outubro de 2010

Em busca de Avalon


A minha vida é um barco abandonado

A minha vida é um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado?

Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado.

Morto corpo da acção sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando à tona inútil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Descobrir o Tarot com as Lendas Arturianas: O Mago

The Arthurian Tarot - Anne-Marie Ferguson
(clique na imagem para ampliar)

Merlin retira-se para o isolamento da sua gruta na montanha. Rodeado pela natureza, o mago é capaz de se centrar e ligar-se às forças que actuam através de si. Esta existência solitária permite-lhe ouvir as palavras do vento e saber das coisas que estão para vir.

Merlin é o guardião da Nascente Sagrada, assegurando o uso sensato e honrado dos recursos preciosos. Um lobo faz-lhe companhia, simbolizando a sensibilidade do mago às forças selvagens. Os seus poderes advêm da compreensão da sua natureza e não da tentativa de domínio. Em vez de baseada no medo, a sua relação é de respeito mútuo.

Dedaleiras crescem ao longo do riacho. Associadas ao mundo feérico, lembram que Merlin não está só. Na verdade, ele está rodeado e é assistido pelos espíritos invisíveis do bosque - as dríades. A planta em si é extremamente venenosa - pode trazer a morte - mas se for cuidadosamente preparada, traz a dádiva da vida. Isto ilustra a preparação minuciosa, o treino rigoroso e o conhecimento necessários para alguém aconselhar ou liderar outros. Serve também de aviso ao excesso de confiança, pois há sempre perigo quando se lidam com poderes de natureza dual.

O manto azul de Merlin representa a sua posição de honra no mundo dos homens, enquanto que as penas simbolizam a metamorfose e a ascensão espiritual do xamã.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Lírio Roxo

Franz von Stuck

Viajei por toda a Terra
desde o norte até ao sul;
em toda a parte do mundo
vi mar verde e céu azul.

Em toda a parte vi flores
romperem do pó do chão,
universais, como as dores do mundo
que em toda a parte se dão.

Vi sempre estrelas serenas
e as ondas morrendo em espuma.
Todo o Sol um Sol apenas,
e a Lua sempre só uma.

Diferente de quanto existe
só a dor que me reparte.
Enquanto em mim morro triste,
nasço alegre em toda a parte.

António Gedeão, Poesias Completas

Descobrir o Tarot com as Lendas Arturianas: O Louco

The Arthurian Tarot - Anna-Marie Ferguson
(clique na imagem para ampliar)

Perceval contempla o seu futuro - Camelot. As nuvens abrem-se e o sol brilha, revelando o castelo em todo o seu esplendor. Para Perceval, isto representa a oportunidade para realizar os seus sonhos e ambições. O brasão dos Cavaleiros da Távola Redonda pende sobre a entrada no castelo, representando um objectivo realista, que se pode alcançar mediante a disciplina.

A cena transmite um retorno à sensação de maravilhamento, de optimismo e fé, próprias da infância. O cão expressa esta exuberância e natureza brincalhona e reflecte as expectativas positivas de Perceval em relação ao futuro. O verde das árvores simboliza a fertilidade e potencialidades; a borboleta azul, a beleza e a liberdade; o rio límpido, a pureza e a boa vontade.

Perceval fixa a sua atenção no brasão mas não olha para o caminho que tem de percorrer até lá chegar. Parece inconsciente do facto de estar sobre uma saliência rochosa. Também ignora os escudeiros que cuidam dos cavalos. É preciso prestar atenção aos detalhes, aos sacrifícios e aos obstáculos que se nos deparam pelo caminho para atingirmos a nossa meta. Perceval não se apercebe que para se tornar um cavaleiro, terá primeiro de ser um escudeiro. A aventura começa...

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Melodia


Loreena McKennitt- Prologue  (The Book of Secrets -  1997)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Ondas

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Não sei se é sonho, se realidade














Não sei se é sonho, se realidade,
Se uma mistura de sonho e vida.
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do sul se olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali
A vida é jovem e o amor sorri.

Talvez palmares inexistentes,
Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego dêem aos crentes
De que essa terra se pode ter.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez.

Mas já sonhada se desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar,
Sob os palmares, ã luz da Lua,
Sente-se o frio de haver luar.
Ah, nessa terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem.

Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri.

Fernando Pessoa

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Cavaleiros do Outro Mundo


Os que bõa morte morren e son quitos de peccados

Cantiga da época do rei Alfonso X o Sábio (1221-1284)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Levad', amigo...

John William Waterhouse, Windflower

Levad', amigo, que dormides as manhãas frias;
todalas aves do mundo d' amor dizian:
leda m' and' eu.

Levad', amigo, que dormide' -las frias manhãas;
todalas aves do mundo d' amor cantavan:
leda m' and' eu.

Toda-las aves do mundo d' amor diziam;
do meu amor e do voss' en ment' avian:
leda m' and' eu.

Toda-las aves do mundo d' amor cantavan;
do meu amor e do voss' i enmentavan:
leda m' and' eu.

Do meu amor e do voss' en ment'avian;
vós lhi tolhestes os ramos en que siian:
leda m' and' eu.

Do meu amor e do voss' i enmentavam;
vos lhi tolhestes os ramos en que pousavan
leda m' and' eu.

Vós lhi tolhestes os ramos en que siian
e lhis secastes as fontes en que bevian:
leda m' and' eu.

Vós lhi tolhestes os ramos en que pousavan
e lhis secastes as fontes u se banhavan:
leda m' and' eu.

Nuno Fernandes Torneol, CV 242, CBN 604

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sonho

John William Waterhouse, Lamia

Deus, que leda que m'esta noite vi,
amiga,em um sonho que sonhei!
Ca sonhava, em como vos direi,
que me dizia meu amig'assi:
  "Falade mig', ai meu lum' e meu bem!"

Nom foi no mundo tam leda molher
em sonho, nem no podia seer,
ca sonhei que me veera dizer
aquel que me milhor que a si quer:
  "Falade mig', ai meu lum' e meu bem!"

Des que m'espertei ouvi gram pesar,
ca em tal sonho avia gram sabor
com o rogar-me, por Nostro Senhor,
o que me sabe mais que si amar:
  "Falade mig', ai meu lum' e meu bem!"

E, pois m'espertei, foi a Deus rogar
que me sacass'aqueste sonh'a bem.
 
 Dom Joam Mendes de Briteiros

sábado, 9 de outubro de 2010

Caldeirões Mágicos


Os caldeirões mágicos são um motivo recorrente na mitologia celta. Alguns transbordam de abundância, outros devolvem a vida aos mortos, enquanto outros ainda contêm uma receita especial de sabedoria. O gigantesco Caldeirão da Abundância de Dagda provia grande quantidade de carnes deliciosas: não havia herói que ficasse com fome depois de um prato daqueles, embora os cobardes não tivessem direito a uma refeição completa.


Do enorme Caldeirão do Renascimento de Bran, os guerreiros saíam vivos mas mudos; outro Caldeirão do Renascimento encontrava-se em Annwn guardado por nove donzelas. Os Caldeirões da Inspiração continham caldos ou guisados de sabedoria. O mais famoso pertencia à deusa Ceridwen, cujo caldo mágico investiu Taliesin de clarividência. Alguns caldeirões, como o de Dagda, combinavam as propriedades mágicas da abundância e do renascimento. Vasos ou cálices misteriosos surgem também nos mitos gregos e orientais como recipientes sagrados de percepção espiritual. Os antigos caldeirões celtas foram porventura reformulados no Graal arturiano, que transborda de alimento espiritual e faz o herói ultrapassar a morte pela imortalidade.
O Graal, ou Sangreal, apareceu aos cavaleiros da Távola Redonda emanando uma luz fulgurante na qual se viram uns aos outros com maior ponderação e generosidade do que antes. A visão calou-os, tal como os guerreiros celtas emergiam do Caldeirão do Renascimento, vivos mas mudos. O Graal em si, envolto em samito branco, tinha a forma de um Cálice da Eucaristia, recordando a taça da Última Ceia. O cálice imbuíu o salão de doces aromas, e os cavaleiros comeram e beberam como nunca, o que lembra os Caldeirões da Abundância celtas.

Iluminura, c. 1400 

Caldeirões do Renascimento (em baixo) seriam certamente grandes banheiras onde cabiam os corpos dos guerreiros alvejados. Aqui, um deus enorme parece mergulhar os guerreiros numa grande selha ou vaso enquanto as tropas montadas galopam em cima, após o seu mergulho de regeneração.

 Caldeirão Celta, Prata Dourada, 100 AC


Os caldeirões celtas variavam muito de tamanho, mas caldeirões lendários como o de Dagda (o grande deus da mitologia irlandesa,  chefe dos Tuatha De Danann - "o povo da deusa Dana") seriam tão grandes que tinham de ser transportados sobre rodas ou por um carro. Este carro de culto (à esquerda) representa um desses caldeirões monumentais. Os heróis montados com os seus elmos cristados, possivelmente caçadores, viajam triunfalmente para a caçada, ou regressados desta. Os dois veados, mais os caçadores, sugerem que a divindade que suporta o caldeirão da abundância é o deus da caça Cernunnos. (Carro de Culto, Bronze, 100 AC)
Referência Bibliográfica:

COTERELL, Arthur, Enciclopédia de Mitologia, Central Livros, 1998

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Feitiçaria e Encanto

A Mitologia Celta é fértil em feitiços, que revestem as histórias de uma qualidade onírica e cativante. O omnipresente Outro Mundo esconde-se por trás de grande parte das manifestações misteriosas e mágicas, penetrando as florestas e os lagos, e providenciando anéis e armas encantadas. Contudo, os feitiços surgiam também no mundo visível onde os bardos, os druidas e alguns heróis privilegiados, como Finn MacCool, possuíam poderes mágicos. Os bardos podiam debilitar o inimigo pelo poder da sátira ou de um sono encantado, enquanto os druidas enfeitiçavam o anfitrião com ilusões mágicas.

Fora do campo de batalha, o amor e a paixão eram igualmente sujeitos a feitiços, filtros do amor, ou encantos mágicos, como nos romances de Sadb, Rhiannon e Isolda. Mais afortunados, alguns heróis recebiam presentes do Outro Mundo, como a espada de Artur, Excalibur, ou a espada sidhe de Fergus Mac Roth; e inúmeros heróis foram alimentados ou ressuscitados por caldeirões mágicos.
A floresta encantada das lendas arturianas estava repleta de belas fadas sedutoras, que tentavam os cavaleiros errantes. Uma delas, La Belle Dame Sans Merci, descrita pelo poeta Keats, era uma banshee que atraía os amantes mortais para seu divertimento, inspirando-lhes uma paixão desesperada e depois deixando-os desprovidos de vontade ou objectivo na vida, até morrerem no lago, "sós e definhando palidamente". Aqui vemos o cavaleiro debilitado a dormir, sonhando com os pálidos reis e guerreiros escravizados pela Belle Dame. (La Belle Dame Sans Merci, de H. M. Rheam, 1897)

Excalibur, espada encantada de Artur brilhava com a luz de trinta tochas, ofuscando os seus inimigos. A preciosa bainha impedia a perda de sangue na batalha, mas Artur deu imprudentemente este talismã à sua meia irmã Morgana a Fada, para que o guardasse, e logo ela fabricou uma cópia para Artur, entregando o original ao seu amante, Accolon.

(Ilustração de Aubrey Beardsley, c. 1870)






Merlin, embora sábio e ponderado, foi enfeitiçado pela arrebatadora Dama do Lago, Nimue, e, mau grado a sua prudência, deixou-se atrair para debaixo de uma pedra onde ficou preso pelas suas próprias artes mágicas. Numa outra lenda, Nimue encantou Merlin sob um espinheiro e depois enrolou o seu véu de volta dele, criando uma torre de ar invisível na qual ele ficou para sempre aprisionado. Diz-se que a sua voz ainda se pode ouvir no lamento do vento roçando entre as folhas. (Ilustração de Alan Lee, 1984)


terça-feira, 5 de outubro de 2010

At-Tambur - D. Fernando

Arthur Hughes, La Belle Dame Sans Merci, 1861-63


"D. Fernando" é um romance popular de Trás-os-Montes.

- Tu que tens, ó D. Fernando,
que andas tão triste na guerra?
Ou te morreu pai ou mãe,
ou gente da tua terra.

- Não me morreu pai, nem mãe,
nem gente da minha terra:
vou triste por minha amada,
deixei-a e vim prá guerra.

- Aparelha o teu cavalo,
sete anos ao pé dela;
ó cabo de sete anos,
soldado, volta p´ra guerra.

- A tua amada já é morta,
é morta, eu bem a vi;
- Dá-me os sinais que levava,
para me eu fintar em ti.

Levava saia de seda,
E blusa de carmesim,
o cinto que a apertava
era d'ouro e marfim.

- Eu vendia o meu cavalo,
também me vendia a mim,
para mandar dizer missas,
tudo por alma de ti;

- Não vendas o teu cavalo
nem te vendas tu a ti:
quanto mais bem me fizeres
mais pena se mete em mim.

As três filhas que lá temos
leva- as para ao par de ti,
que se não percam por homens
como eu me perdi por ti.



 At-Tambur, D. Fernando, 2003.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Amor


Amor (Tríptico A Vida: Esperança, Amor, Saudade) de António Carneiro


Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto (1962)

sábado, 2 de outubro de 2010

Sábios e Videntes

Os videntes espíritas e xamãs da mitologia celta beneficiavam de extraordinários dons de profecia, sabedoria e cura. Mantinham uma relação profunda com as forças naturais e sobrenaturais, e serviam de intermediários entre os reinos dos vivos e dos mortos, entre o mundo visível dos homens e o outro mundo invisível, morada de espíritos maravilhosos.

O mais famoso de entre os videntes era o sábio conselheiro de Artur, Merlin; mas outros druidas inspirados - Amairgen, Taliesin e Cathbad - surgem nos mitos celtas como bardos proféticos, conselheiros de reis e chefes de clãs.

Alguns viviam num ermitério na floresta, enquanto outros tinham um papel influente na sociedade celta. Embora na generalidade ajudassem os mortais, certas sombrias feiticeiras, como Morgana, Nimue ou as Calatins, usavam os seus dons sobrenaturais encantando e manipulando os mortais para conseguirem os seus próprios fins.


Os druidas detinham o poder político e espiritual na sociedade celta e eram não apenas dotados videntes e xamãs mas também conselheiros legais e morais. Recebiam uma longa aprendizagem de pelo menos vinte anos, decorando as leis e os mistérios. Na pintura em cima, os druidas celebram num monte nevado o solstício de Inverno colhendo um ramo de azevinho, cortado por uma foice sagrada em ouro que o druida mais importante segura. (Os Druidas Trazendo O Azevinho, de G. Henry & E. A. Hornel, 1890)


Merlin é recordado sobretudo como tutor espiritual e paternal de Artur. Um ponderado vidente, Merlin, aconselhava o jovem rei, às vezes severo e outras complacente, mas sempre com sabedoria. Merlin era também um sábio inigualável, que terá arquitectado a Távola Redonda, a planta de Camelot e o círculo de pedras em Stonehenge. (Ilustração de Rick Wakeman)



Morgana a Fada, rainha de Avalon (a Ilha das Maçãs no Outro Mundo) segura um ramo de macieira, o símbolo celta da paz e da abundância. Uma feiticeira inspirada, é geralmente representada como um espírito sombrio, contrariando Artur e maipulando heróis. A um nível mais profundo, é uma deusa do Inverno, da escuridão e da morte, oposta a Artur, o Senhor do Verão, e a Guinevere, a Donzela da Primavera. Revela o aspecto redentor do seu carácter no papel de curandeira soberana de Avalon e guardiã do corpo de Artur na sua morte. (Ilustração de Stuart LittleJohn, 1994)

Taliesin, um poeta profético e vidente xamanístico, recebeu o dom da omnivisão depois de ter ingerido um caldo de inspiração do caldeirão de Ceridwen. Sendo o maior bardo de Gales, previu a chegada dos Saxões e a opressão dos Cymry bem como a sua própria morte. Surge aqui sob a forma de uma águia, o pássaro frequentemente eleito pelos xamãs nas viagens espíritas ou transes ao Outro Mundo. A auréola dourada da águia simboliza a fronte radiosa de Taliesin. (Ilustração de Stuart LittleJohn, 1994)


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Outros Mundos Celtas

Os Outros Mundos ofuscantes da mitologia celta são os domínios invisíveis dos deuses e dos espíritos, das fadas, duendes e gigantes grotescos. Alguns são paraísos resplandecentes e outros são infernos lúgubres. A fronteira entre o visível e o invisível é facilmente transponível. Os videntes e os bardos andam entre os mundos em viagens da alma.

Alguns heróis, como Cuchulainn, empreendem apenas visitas temporárias; ao passo que Oisin regressou da sua viagem ao Outro Mundo trezentos anos depois da sua época. As mais comuns passagens para o Outro Mundo fazem-se pela água ou através de pontes estreitas, sob montículos de terra ou no fundo de poços que escondem fulgurantes paraísos subterrâneos e escuros "purgatórios".

Na véspera de Samhain, a 31 de Outubro, abrem-se todas as portas para o Outro Mundo e emergem espíritos maravilhosos debaixo dos montes ocos.


Os espíritos celtas saem a cavalo dos seus palácios subterrâneos na véspera de Beltaine para celebrar a festa de Belenus. Estes maravilhosos cavaleiros trazem tesouros do Além; uma vara da inteligência, a Árvore do Conhecimento e o Caldeirão da Abundância estão representados. (Os Cavaleiros de Sidhe, de John Duncan, 1911)
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...