Os caldeirões mágicos são um motivo recorrente na mitologia celta. Alguns transbordam de abundância, outros devolvem a vida aos mortos, enquanto outros ainda contêm uma receita especial de sabedoria. O gigantesco Caldeirão da Abundância de Dagda provia grande quantidade de carnes deliciosas: não havia herói que ficasse com fome depois de um prato daqueles, embora os cobardes não tivessem direito a uma refeição completa.
Do enorme Caldeirão do Renascimento de Bran, os guerreiros saíam vivos mas mudos; outro Caldeirão do Renascimento encontrava-se em Annwn guardado por nove donzelas. Os Caldeirões da Inspiração continham caldos ou guisados de sabedoria. O mais famoso pertencia à deusa Ceridwen, cujo caldo mágico investiu Taliesin de clarividência. Alguns caldeirões, como o de Dagda, combinavam as propriedades mágicas da abundância e do renascimento. Vasos ou cálices misteriosos surgem também nos mitos gregos e orientais como recipientes sagrados de percepção espiritual. Os antigos caldeirões celtas foram porventura reformulados no Graal arturiano, que transborda de alimento espiritual e faz o herói ultrapassar a morte pela imortalidade.
O Graal, ou Sangreal, apareceu aos cavaleiros da Távola Redonda emanando uma luz fulgurante na qual se viram uns aos outros com maior ponderação e generosidade do que antes. A visão calou-os, tal como os guerreiros celtas emergiam do Caldeirão do Renascimento, vivos mas mudos. O Graal em si, envolto em samito branco, tinha a forma de um Cálice da Eucaristia, recordando a taça da Última Ceia. O cálice imbuíu o salão de doces aromas, e os cavaleiros comeram e beberam como nunca, o que lembra os Caldeirões da Abundância celtas.
Iluminura, c. 1400
Caldeirões do Renascimento (em baixo) seriam certamente grandes banheiras onde cabiam os corpos dos guerreiros alvejados. Aqui, um deus enorme parece mergulhar os guerreiros numa grande selha ou vaso enquanto as tropas montadas galopam em cima, após o seu mergulho de regeneração.
Caldeirão Celta, Prata Dourada, 100 AC
Os caldeirões celtas variavam muito de tamanho, mas caldeirões lendários como o de Dagda (o grande deus da mitologia irlandesa, chefe dos Tuatha De Danann - "o povo da deusa Dana") seriam tão grandes que tinham de ser transportados sobre rodas ou por um carro. Este carro de culto (à esquerda) representa um desses caldeirões monumentais. Os heróis montados com os seus elmos cristados, possivelmente caçadores, viajam triunfalmente para a caçada, ou regressados desta. Os dois veados, mais os caçadores, sugerem que a divindade que suporta o caldeirão da abundância é o deus da caça Cernunnos. (Carro de Culto, Bronze, 100 AC)
Referência Bibliográfica:COTERELL, Arthur, Enciclopédia de Mitologia, Central Livros, 1998