terça-feira, 31 de maio de 2011

A moira encantada


Meia noite além ressoa
Cerca das ribas do mar,
Meia noite já é dada
E o povo ainda a folgar.
Em meio de tal folguedo
Todos quedam sem falar,
Olhos voltam ao castelo
Para ver, para avistar
A linda moura encantada,
Que era triste a suspirar

- Quem se atreve, ai quem se atreve
Ir ao castelo e trepar
Para vencer o encanto
Que tanto sabe encantar?
- Ninguém há que a tal se atreva,
Não há que em mouros fiar;
Quem lá fosse a tais desoras
Para só desencantar,
Grande risco assim correra
De não mais de lá voltar.

Ai que linda formosura,
Quem a pudera salvar!
O alvor dos seus vestidos
Tem mais brilho que o luar!
Doces, tão doces suspiros,
Onde ouvi-los suspirar?

Assim um bom cavaleiro
Só se estava a delatar.
Em amor lhe ardia o peito,
Em desejos seu olhar.

Três horas eram passadas
Neste contínuo ansiar.
Cavaleiro de armas brancas
Nunca soube arrecear:
Invoca a linda mourinha,
Mas não ouve o seu falar.
Nada importa a D. Ramiro
Mais que a moura conquistar;
Vai subir por muro acima,
Sente os pés a resvalar!
Ai, que era passada a hora
De a poder desencantar!...

Já lá vinha a estrela d' alva
Com seus brilhos a raiar;
No mais alto do castelo
Já mal se via alvejar
a fina, branca roupagem,
Da linda filha de Agar.
Ao romper do claro dia,
Para mais bem se pasmar,
Sobre o castelo uma nuvem
Era apenas a pairar.
Jurava o povo, jurava,
E teimava em afirmar,
Que dentro daquela nuvem
Vira a donzela entrar.
D. Ramiro, d' enraivado
De não poder-lhe chegar,
Dali parte, e contra os mouros
Grande briga vai armar.
Por fim ganha um bom castelo,
Mas... sem moura para amar.


Almeida Garrett, Romanceiro

sábado, 14 de maio de 2011

A Fortaleza de Vortigern


Uma das histórias que integram o Mabinogion conta-nos que, muitos, muitos anos antes do tempo de Artur, o rei da Bretanha era um homem chamado Lludd. Era um grande guerreiro, generoso e amável e a Bretanha era próspera; no entanto, uma praga assolava o reino. Na primeira noite de Maio, ouvia-se sempre um terrível grito que ecoava por toda a terra. O som era tão arrepiante que quem o ouvia perdia o senso e despia a terra dos seus frutos.

Llefelys, irmão de Lludd, disse ao rei que a única maneira de libertar o povo deste horror, era descobrir o centro da terra, e lá encontrar dois dragões em luta - a fonte do clamor. Depois de subjugados e adormecidos com o melhor hidromel, os dragões deveriam ser transportados e enterrados nas profundezas da terra mais segura. Lludd assim fez e sepultou os dragões adormecidos na Snowdonia, num lugar que passou a ser conhecido como Dinas Emrys. E assim a terra ficou em paz.

Porém, quinhentos anos passaram e o povo voltou a viver aterrorizado. Vortigern, o usurpador, ocupava o trono e tinha contratado mercenários saxões para o ajudarem a repelir os invasores do Norte. Só que os Saxões passaram também a cobiçar a terra e assim a Bretanha ganhou mais um inimigo. Vortigern, refugiado no País de Gales, reuniu o seu conselho de magos e preparou-se para construir uma fortaleza num local considerado seguro -  Dinas Emrys.


O trabalho de construção dos homens de Vortigern provou ser em vão, pois, a cada manhã, encontravam em ruínas as obras feitas na véspera. Vortigern, perplexo, consultou os seus magos. Estes aconselharam-no a sacrificar um rapaz orfão de pai e a espalhar o seu sangue nas fundações. Só assim a fortaleza se erigiria.

Um rapaz nas condições assim exigidas foi encontrado e ele e sua mãe foram trazidos à presença do rei, em Dinas Emrys. O seu nome era Ambrosius (ou Merlin, na versão de Geoffrey de Monmouth). Pressentindo a natureza dos planos de Vortigern, o jovem Ambrosius / Merlin ousou confrontar os druidas e perguntou-lhes se sabiam a razão da destruição nocturna.

Ao confessarem a sua ignorância, Merlin encarou Vortigern e disse-lhe que se escavasse o sítio da construção, encontraria um curso de água a minar a sua fortaleza. Lá também estariam dois dragões, um vermelho, o outro branco. Os homens do rei assim fizeram e assim que os dragões se viram libertos, começaram a lutar.


Merlin disse que a destruição da fortaleza se devia às batalhas nocturnas das duas criaturas e que o dragão vermelho representava os Bretões  e o branco os Saxões. A multidão olhou para a batalha simbólica vendo, horrorizada, o dragão branco dominar o vermelho. O rapaz profetizou que os rios se tornariam vermelhos de sangue antes que a Bretanha conseguisse deter a invasão Saxã. Não seria Vortigern a conduzir os Bretões à vitória. A sua vida seria tomada pelos Saxões, por Aurelius Ambrosius ou por Uther - os seus inimigos eram muitos e o seu fim estaria próximo.

domingo, 8 de maio de 2011

Descobrir o Tarot com as Lendas Arturianas: A Torre

The Arthurian Tarot, Anna-Marie Ferguson

Cai a fortaleza de Vortigern. Construída para ser um refúgio contra os invasores saxões, representa as suas vãs tentativas para evitar as consequências das suas próprias acções.

Em alturas difíceis, os sistemas de crenças ficam abalados - as fendas e o desmoronamento das paredes. As chamas sugerem a angústia mental provocada pela mudança repentina. O andaime representa o esforço da mente para remediar e conter o caos. Mas o efeito é mínimo - a transformação é irreversível.

A pressão despertou forças primordiais, simbolizadas pelos dois dragões que se erguem do seu local de repouso - o reservatório de água nas profundezas da terra. O chão rui e abala as fundações da nossa vida.

O relâmpago transmite uma mensagem que pode ser entendida a dois níveis: como o longo braço do destino contra o qual são fúteis as tentativas de evitar o que é inevitável e como a revelação na forma de uma sacudida brusca que vai acabar com formas de pensamento obsoletas e ultrapassadas.

A terra fulminada abre assim passagem a uma nova vida, num eterno ciclo de destruição e criação.

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