Lancelot foge da agitação da corte. A floresta representa aqui um lugar seguro e sossegado, necessário a uma recuperação. Aqui, Lancelot vive como um selvagem e é livre. Deixando cair todas as máscaras, aproxima-se da sua essência e começa a jornada em busca da alma.
As raízes da árvore simbolizam a necessidade de reflectirmos sobre a nossa base, os valores que nos fundamentam, a fim de descobrirmos o que está negligenciado. Na quietude do Eremita, atendemos à alma - pois quando os ventos fortes sopram é a força das raízes que assegura a sobrevivência da árvore.
Lancelot segura na mão esquerda um archote, indicando que é o subconsciente que ilumina o caminho e orienta. Isto lembra-nos para termos atenção aos nossos sonhos.
A nascente tem poderes curativos e representa o retorno à fonte da inspiração e da realização espiritual.
(para conhecer a história de Lancelot, ver aqui ou, outra versão, aqui)
Merlin foi o mais poderoso de todos os magos e profetas da Bretanha. Era filho de uma sacerdotisa com um incubo. Do demónio do pai herdara a inteligência, da mãe o belo físico. Já na velhice, Merlin tornara-se um grão-druída. Vivia em Avalon, cercado por sacerdotes e sacerdotisas. Fora conselheiro do poderoso Rei Arthur.
No seu reino, construído sobre os mistérios do mundo, assistiu à invasão dos saxões e à chegada dos cristãos, que aos poucos, dominaram toda a fé das ilhas britânicas. Ameaçado pelos princípios e tradições cristãs, o velho mago assistiu à perseguição aos costumes dos druidas, e a extinção da sua fé. Merlin aprendeu a odiar os cristãos.
Ignorando os invasores da Bretanha, Merlin continuou a praticar as mais poderosas magias. Conhecia todos os mistérios do céu e da terra, dos homens e dos deuses, da vida e da morte. Para combater a ameaça da cristianização do seu povo, Merlin reuniu, em Avalon, os maiores cavaleiros dos reinos celtas. Ao lado de tão rudes, valentes e sanguinários homens, partiu numa busca infindável, por todas as terras das ilhas britânicas, dos Treze Tesouros da Bretanha, dados pelos deuses aos seus antepassados, e que se encontravam dispersos. Ao reunir os treze objectos sagrados, Merlin tornar-se-ia o mais poderoso de todos os magos, invencível, capaz de derrotar todos os invasores. Ao devolver os objectos aos deuses, eles compensariam com vigor as ilhas e o seu povo.
Doze dos tesouros foram encontrados e reunidos. Faltava o décimo terceiro, o caldeirão de Clyddno Eiddyn. O poderoso caldeirão não poderia ser encontrado por um cavaleiro, e sim por uma virgem. Para cumprir a missão, Merlin lançou mão da mais bela das suas sacerdotisas, Nimue, por quem nutria uma grande paixão.
Diante do caldeirão, Merlin confidenciou à amada que de dentro dele viria a poção da vida eterna. Fascinada pela promessa, Nimue aprisionou Merlin num carvalho, e roubou-lhe o precioso objecto. A bela amante do mago desapareceu, levando o caldeirão. Preparou nele todas as poções mágicas que aprendera com o mestre e, na ilusão de que alcançaria a beleza e juventude eternas, atirou-se ao caldeirão, morrendo escaldada.
Ao libertar-se da prisão do carvalho, Merlin procurou em vão, pelo caldeirão mágico. Reuniu os mais valentes dos cavaleiros britânicos, mas jamais encontrou o poderoso talismã. Perdido o caldeirão de Clyddno Eiddyn, as iniciações dos cultos aos deuses pagãos enfraqueceram. Outra fé tomou conta da Bretanha e Merlin viu a suas tradições perdidas e os seus deuses extintos.
Yule é o solstício de Inverno, o dia mais curto e a noite mais longa do ano. Os tempos sombrios entre Samhain e Yule chegam ao fim quando os dias começam de novo a crescer. É um Sabbat próprio para a reflexão sobre a forma como todas as coisas se inter-relacionam, para fundir as memórias e para celebrar o regresso da luz, que em breve irá de novo fertilizar e aquecer a terra. É o dia em que se festeja o Sol, o trovão e as deidades do fogo.
Grandes fogueiras eram acesas nas ruas enquanto que dentro de casa se acendiam os troncos de Yule, numa forma simbólica de "ajudar" o Sol a fortalecer-se. Os troncos queimados e as suas cinzas eram guardados como talismãs contra os raios e os incêndios.
O tronco de Yule, de madeira de freixo, é acendido na noite do Solstício, e deve ficar aceso à primeira tentativa. Para cumprir o ritual, terá de se conservar aceso durante doze horas para dar sorte. A árvore enfeitada é uma variante do tronco, onde se acendem velas em vez de se queimar a madeira. Os protestantes atribuem o costume de enfeitar a árvore nesta altura do ano a Martinho Lutero, enquanto os católicos o dão a S. Bonifácio, no entanto ele já aparece nas festas romanas de Saturnália e ainda mesmo antes, no Egipto. Algumas tradições dizem que, no fim da festa, a árvore deve ser queimada, tal como acontece a muitos objectos sagrados quando já atingiram a sua finalidade. No entanto, abater uma árvore para a trazer para dentro de casa é já de si um sacrilégio em relação ao conceito original, que é o de honrar os deuses enfeitando uma árvore de folha perene, mas uma árvore viva, enraizada, sem nenhuma intenção de a matar.
O costume de trocar prendas nesta data também é próprio das tradições de Yule. As pessoas costumam dar presentes umas às outras para assinalar a passagem dos ciclos de vida, ou seja, sempre que se completa mais um ano de vida, quando nasce uma criança, quando há um casamento e nos sucessivos aniversários da data, e até na morte, com oferendas ao defunto (actualmente dão-lhe missas e flores).
Em Yule, é o ciclo do Deus Sol que se comemora. É a partir do Solstício de Inverno que os dias vão começar a crescer, portanto é esta a data do seu "nascimento". E veio daí a ideia das pessoas trocarem prendas, para comemorarem mais um ano todos juntos e relembrarem o que aconteceu durante o ano que passou.
O Natal é a cristianização do Yule. Muitos dos costumes cristãos nesta época derivam das tradições celtas, como o nascimento, o tronco de Natal, a árvore, etc. Uma tradição oriental conta que Maria deu à luz no vigésimo quinto dia, mas não refere em que mês. No ano 320, os sacerdotes romanos escolheram o mês de Dezembro, de forma a fazer coincidir a festa cristã com a dos celtas e saxões ( fazer o calendário religioso coincidir com o dos povos conquistados era uma boa forma de conseguir adeptos, ou pelo menos, simpatias). Em 529, o imperador Justiniano impôs o 25 de Dezembro como feriado obrigatório e em 567, o Concílio de Tour alargou o Natal aos doze dias que vão de 25 de Dezembro a 6 de Janeiro, a Epifania, pelo que, na Idade Média, Natal não designava um só dia, como actualmente, mas todo esse período de doze dias.
Algumas tradições comemoram a Deusa sob a forma da Mãe que dá à luz o Deus Sol. Muitos pagãos também armam um presépio em casa, dando às três figuras um sentido diferente: a Mãe Natureza, o Pai Tempo e o Deus Sol recém-nascido. Outros celebram a vitória do Senhor da Luz sobre o Senhor da Escuridão.
O nome "Yule" deriva da palavra nórdica "yula", que significa roda, e este dia também tem o nome de Dia de Fionna (divindade celta). As cores do Yule são o vermelho, o verde e o branco. Os símbolos são a sempre-verde, o visco, o azevinho e a hera, todas elas plantas conotadas com a fertilidade e a vida eterna, o tronco, a árvore enfeitada, os presentes e a roda de fiar. O visco era especialmente venerado pelos druidas, que o cortavam com uma foice de ouro durante a sexta noite de uma das fases da Lua, acreditando-se ser um afrodisíaco (só usado em rituais de magia, porque ingerido é altamente venenoso). Pendurar um ramo de visco ou um saquinho contendo folhas e rebentos por cima da cabeceira da cama serve de amuleto.
Come to me in the silence of the night;
Come in the speaking silence of a dream;
Come with soft rounded cheeks and eyes as bright
As sunlight on a stream;
Come back in tears,
O memory, hope, love of finished years.
Oh dream how sweet, too sweet, too bitter sweet,
Whose wakening should have been in Paradise,
Where souls brimfull of love abide and meet;
Where thirsting longing eyes
Watch the slow door
That opening, letting in, lets out no more.
Yet come to me in dreams, that I may live
My very life again though cold in death:
Come back to me in dreams, that I may give
Pulse for pulse, breath for breath:
Speak low, lean low,
As long ago, my love, how long ago!
Le Morte d' Arthur, de Sir Thomas Malory, é a referência para esta história. Convém lembrar que a obra de Malory ajusta antigas tradições pagãs aos moldes cristãos...
Num dado momento da sua demanda pelo Santo Graal, Percival encontrava-se isolado numa ilha selvagem. Um dia, assistiu a um combate entre um leão e uma serpente. Matou a serpente pois considerava ser o leão o animal mais justo e nobre, e ganhou assim a confiança deste. De noite, sonhou com duas mulheres: uma, jovem e bela, montada num leão; outra, velha e decrépita, montada numa serpente. A donzela preveniu Percival que, na manhã seguinte, lutaria com o mais forte dos adversários, e que, se falhasse, perderia a sua reputação para sempre. Em seguida, desapareceu.
Então falou a Anciã. Disse que a serpente que ele tinha matado, lhe pertencia e que, para a compensar, ele deveria passar a servi-la. Percival recusou mas ela assegurou-lhe que o encontraria e que, no fim, seria seu.
No dia seguinte, um espectro de um homem muito velho apareceu a Percival e exortou-o a permanecer puro de coração e fiel ao ideal de cavalaria. Explicou-lhe que o leão e a jovem representavam a santa igreja, a nova fé, a esperança e o baptismo. Adiantou-lhe ainda que aquela que montava a serpente, era a velha lei - uma poderosa inimiga. E desapareceu.
A meio do dia, aportou na ilha um barco trazendo uma mulher muito bela. A donzela contou a Percival que tinha sido deserdada e banida da corte. O jovem cavaleiro logo ali prometeu ajudá-la e ela, em troca, deu-lhe comida e bebida.
Quanto mais tempo Percival estava na sua companhia, mais cativado ficava. Por fim, louco de desejo, implorou à donzela que fosse sua. Esta, de início, recusou, mas depois propôs-lhe o seguinte: que ele jurasse servi-la somente a ela e fazer tudo o que ela ordenasse e ela entregar-se-ia.
Enquanto o ardente Percival aguardava que a donzela se despisse, avistou o crucifixo incrustado na bainha da sua espada. Lembrando-se da sua demanda e das palavras do velho, persignou-se. Com isto, a bela sedutora esfumou-se nos ares, amaldiçoando-o.
Percival, julgando-se indigno da demanda por ter quase sucumbido à tentação, fere-se a si mesmo na coxa, com um golpe de espada, castigando assim a carne que o dominava. Contudo, o velho regressou com um barco e, enquanto eram levados dali pelo vento e pelas ondas, contou-lhe que a velha e a rapariga eram ambas o diabo.
A destreza física e a inteligência unidas. A Donzela domina o leão, trazendo consigo o entusiasmo e o amor pela vida, ainda intocados pelas agruras da vida adulta. Através da sua gentileza, ela ganhou a confiança do leão e beneficia assim da sua força e da sua coragem.
A outra face da Deusa - a Anciã - monta a serpente. A duas trazem a energia da experiência e da sabedoria. Deste modo, temos presente, nesta carta, a força e a energia com direcção.
As duas mulheres dão as mãos, unindo capacidades. Assim é quando usamos todo o nosso potencial: motivados pela paixão e orientados pela mente.
Os guerreiros de Artur seguem-no para a batalha. O movimento do carro reflecte a velocidade com que os acontecimentos se desenrolam. Em alturas de grande excitação é necessário manter a cabeça fria e controlar as emoções. Este auto-controlo está presente nos cavalos. Apesar de não estarem em total harmonia, estão sob o controlo do condutor. O branco e o negro evidenciam os conflitos da mente: lógica e emoção; paixão e razão.
Na batalha do Monte Badon, os guerreiros também se depararam com esta dicotomia. Enquanto que nos seus corações desejavam evitar os horrores da guerra, a razão ditava-lhes repelirem os invasores e protegerem os limites do reino.
O condutor está ligado ao seu lado intuitivo, simbolizado pelo crescente lunar que lhe adorna o ombro. O estandarte representa a partilha de uma identidade comum.
Um cavaleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de fazer uma longa jornada; receando que acontecesse algum caso desagradável enquanto estivesse ausente, fez com que a mulher lhe prometesse que enquanto ele estivesse fora de casa diria a tudo: - Não. Assim pensava o cavaleiro que resguardaria o seu castelo do atrevimento dos pajens ou de qualquer aventureiro que por ali passasse.
O cavaleiro já havia muito que se demorava na corte, e a mulher aborrecida na solidão do castelo não tinha outra distracção senão passar as tardes a olhar para longe, da torre do miradouro.
Um dia passou um cavaleiro, todo galante, e cumprimentou a dama; ela fez-lhe a sua mesura. O cavaleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo ali uma grande paixão e disse:
- Senhora de toda a formosura! Consentis que descanse esta noite no vosso solar?
Ela respondeu:
- Não!
O cavaleiro ficou um pouco admirado da secura daquele não, e continuou:
- Pois quereis que seja comida dos lobos ao atravessar a serra?
Ela respondeu:
- Não.
Mais pasmado ficou o cavaleiro com aquela mudança, e insistiu:
- E quereis que vá cair nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta? Ela respondeu:
- Não.
Começou o cavaleiro a compreender que aquele Não seria talvez sermão encomendado, e virou as suas perguntas:
- Então, fechais-me o vosso castelo?
Ela respondeu:
- Não.
- Recusais que pernoite aqui?
- Não.
Diante destas respostas o cavaleiro entrou no castelo, e foi conversar com a dama, e a tudo o que lhe dizia ela foi sempre respondendo - Não. Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas câmaras, disse o cavaleiro:
- Consentis que eu fique longe de vós?
Ela respondeu:
- Não.
- E que me retire do vosso quarto?
- Não.
O cavaleiro partiu, e chegou à corte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro e contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a história do Não; mas quando ia já a contar o modo como se metera na cama da castelã, o marido, já sem ter mão em si, perguntou agoniado:
- Mas onde foi isso, cavaleiro?
O outro percebeu a aflição do marido e continuou sereno:
- Ora quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo.
O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais estimada.
(Açores) - Contos Populares do Povo Português, recolha de Teófilo Braga
Gareth de Orkney era o irmão mais novo de Gawain, Agravain e Gaheris. Quando chegou a Camelot, manteve secreta a sua identidade, no intuito de provar o seu valor através de mérito próprio ao invés do seu parentesco com o renomado Gawain. Durante esse tempo, chamavam-no de Beaumains, devido às suas mãos alvas. Como Beaumains, trabalhou pacientemente nas cozinhas do castelo, à espera de uma oportunidade de se afirmar.
Um dia, essa oportunidade chegou na pessoa de Lyonors. Esta donzela era refém do Cavaleiro Vermelho há dois anos e quando testemunhou a luta renhida entre o seu captor e o jovem cavaleiro, apaixonou-se irremediavelmente por este. Gareth, também animado pelo amor que sentia pela donzela, conseguiu derrotar o seu adversário.
Mais tarde, no castelo de Gringamore, irmão de Lyonors, durante as celebrações do resgate da jovem, os dois enamorados juraram amor eterno. Incendiados de paixão, combinaram encontrar-se mais tarde, durante a noite, após as festividades.
A feiticeira Linete, irmã de Lyonors, embora aprovasse o seu amor, não tencionava permitir que os dois jovens consumassem a sua união antes do casamento. Assim, enquanto Lyonors se encaminhava para a cama de Gareth, sua irmã esconjurou um cavaleiro fantasma e enviou-o aos aposentos de Gareth para atacá-lo. A luta foi feroz; Gareth decapitou o cavaleiro mas ficou gravemente ferido na coxa.
Gringamore, desperto pelos gritos de Lyonors, correu para ajudar e Linete também se juntou ao grupo. Calmamente, a feiticeira dirigiu-se ao seu cavaleiro, ungiu-lhe o pescoço e colocou-lhe novamente a cabeça no lugar. Depois, admoestou os amantes a refrearem os seus desejos até ao dia do casamento.
Dez dias passaram e, apesar do ferimento de Gareth, a paixão dos dois jovens levou-os a urdir um plano para um segundo encontro. No entanto, mal Lyonors entrou na cama de Gareth, surgiu o cavaleiro fantasmagórico. Gareth novamente decapitou o fantasma mas a sua ferida reabriu e perdeu muito sangue. Mesmo assim, teve o cuidado de, desta vez, cortar a cabeça do oponente em mil pedaços e atirá-los pela janela.
Contudo, a diligente Linete apanhou-os a todos e recompôs o seu cavaleiro, enviando-o novamente para cumprir o seu dever. Gareth, bastante enfraquecido, teve de desistir dos seus ímpetos amorosos. Linete disse ao cavaleiro que só no tempo devido, restaurar-lhe-ia a saúde e o vigor de mancebo.
Finalmente, chegou o dia em que os dois apaixonados - honra intacta - se casaram e se viram livres do pau de cabeleira fantasma.
Gareth e Lyone caminham sós no bosque, longe dos olhares e dos mexericos da corte. Efectuaram uma escolha entre o que desejavam e o que a sociedade considerava aceitável. Caminham juntos, mas sem se agarrarem um ao outro. O seu amor é seguro, de parceiros que escolhem a companhia um do outro, de livre vontade.
Uma brisa suave agita as folhas das árvores, reflectindo a natureza delicada do amor e da afeição que Gareth e Lyone nutrem um pelo outro. As borboletas simbolizam a beleza e o êxtase deste estado de sonho.
A espada é um aviso de que existem perigos no meio desta beleza. O amor eleva mas também pode devastar. A espada indica então o risco que se toma numa relação amorosa e a necessidade de se manter a autonomia individual.
O amor de Gareth e Lyone é verdadeiro, assente em bases sólidas e os solidagos simbolizam a sua união.
Taliesin encanta as crianças com a sua música. Também Orfeu, através da sua música encantatória, foi e voltou do submundo. A música é uma passagem para outros mundos e assim, nesta carta, temos a harpa a substituir as tradicionais chaves na mão do Hierofante.
O bardo Taliesin trata de igual modo as crianças privilegiadas e as mais pobres, encorajando-as nos seus talentos criativos e artísticos e transmitindo-lhes o saber tradicional. As histórias do passado despertam as imaginações infantis e asseguram a ligação ao Outro Mundo. Esta é a função de Taliesin como guardião do saber ancestral.
As penas no seu cabelo e o colar atestam as suas capacidades metamórficas. O bardo encarna todo o conhecimento das suas vidas animais. O ribeiro e as figuras de pedra dos velhos deuses reflectem a sua ligação aos mistérios do Outro Mundo. Não esqueçamos que foi através do Caldeirão de Ceridwen que Taliesin adquiriu a sua inspiração e o seu profundo conhecimento. As jóias que ostenta representam o reconhecimento que lhe é prestado. O seu poder não pode ser subestimado. Com as suas palavras, Taliesin pode enaltecer um rei e elevá-lo à glória ou pode destruí-lo usando de sátira implacável.
O caçador foi à caça,
À caça, como soía
Os cães já leva cansados,
O falcão perdido havia.
Andando se lhe fez noite
Por uma mata sombria,
Arrimou-se a uma azinheira,
A mais alta que ali via.
Foi a levantar os olhos,
Viu coisa de maravilha:
No mais alto da ramada
Uma donzela tão linda!
Dos cabelos da cabeça
A mesma árvore vestia,
Da luz dos olhos tão viva
Todo o bosque se alumia.
Ali falou a donzela,
Já vereis o que dizia:
– «Não te assustes, cavaleiro,
Não tenhas tamanha frima.
Sou filha de um rei c’roado,
De uma bendita rainha.
Sete fadas me fadaram
Nos braços de mi’madrinha,
Que estivesse aqui sete anos,
Sete anos e mais um dia;
Hoje se acabam nos anos,
Amanhã se conta o dia;
Leva-me, por Deus to peço,
Leva em tua companhia.»
– «Espera-me aqui, donzela,
Té amanhã, que é o dia;
Que eu vou tomar conselho,
Conselho com minha tia.»
Responde agora a donzela,
– «Oh, mal haja o cavaleiro,
Que não teve cortesia:
Deixa a menina no souto
Sem lhe fazer companhia!»
Ela ficou no seu ramo,
Ele foi-se a ter coa tia...
Já voltava o cavaleiro
Apenas que rompe o dia,
Corre por toda essa mata,
A enzina não descobria.
Vai correndo e vai chamando
Donzela não respondia:
Deitou os olhos ao longe,
Viu tanta cavalaria,
De senhores e fidalgos
Muito grande tropelia.
Levavam-na linda infanta,
Que era já contado o dia.
O triste do cavaleiro
Por morto no chão caía;
Mas já tornava aos sentidos
E a mão à espada metia:
– «Oh, quem perdeu o que eu perco
Grande penar merecia!
Justiça faço em mim mesmo
E aqui me acabo coa vida.»
Taliesin (c.534 – c.599) é o poeta mais antigo da língua galesa cujo trabalho sobrevive. O seu nome é associado ao Livro de Taliesin, um livro de poemas escrito na Idade Média, por volta do século XIII. A maioria dos poemas pertence aos séculos X e XII, mas alguns são mais antigos, sendo apontada a sua origem ao século VI.
Acredita-se que Taliesin foi um bardo que cantava nas cortes de pelo menos três reis celtas britânicos da era.
Taliesin - Stuart Litllejohn
A Lenda
Taliesin ("Fronte Resplandecente") era um mago e bardo que, segundo a mitologia galesa, foi o primeiro indivíduo a obter o dom da profecia. Numa versão da história, era lacaio da bruxa Ceridwen e chamava-se Gwion Bach. Ceridwen preparou uma poção mágica que, depois de um ano de fervura, deveria derramar três gotas de sabedoria. Quem quer que engolisse tais gotas preciosas ficaria a saber todos os segredos do passado, presente e futuro.
Enquanto Gwion Bach cuidava do fogo sob o caldeirão, parte do líquido fervente caiu-lhe no dedo, que ele chupou para aliviar a dor. Furiosa, Ceridwen empregou todas as suas artes mágicas na perseguição do rapaz, que se transformou numa lebre, num peixe e num pássaro, antes de ser comido pela bruxa, que se tinha transformado entretanto numa galinha, sob a forma de um grão de trigo.
Quando Ceridwen retornou à sua forma humana, estava agora grávida. Ao dar à luz, não conseguiu matar a criança e abandonou-a no mar. Gwion Bach foi pescado numa rede, por Elphin, sobrinho do rei Maelgwn, e recebeu o novo nome de Taliesin por causa da sua testa radiante - símbolo da sua visão omnisciente.
"Sou velho, sou novo", disse ele. "Estive morto, estive vivo".
The Arthurian Tarot - Anna-Marie Ferguson
(clique na imagem para ampliar)
Um Artur confiante está sentado no lugar de poder. Está à vontade e consciente do que o rodeia e do seu papel crucial. Artur segura o ceptro com o globo, confirmação da sua soberania. O ceptro simboliza a sua potência e o globo a sua fama e os princípios femininos. A linguagem corporal de Artur é descontraída, tornando-o acessível. Ele é verdadeiramente competente para governar; o seu poder não assenta na pompa e cerimónia. Esta capacidade é-lhe intrínseca, é uma verdade e uma força que pairam no ar à sua volta.
A luz do archote recai sobre Artur, indicando que ele é um líder iluminado, esclarecido. O seu manto denota riqueza e segurança. O vermelho, associado ao escudo, representa a coragem e a prontidão em defender o seu reino. A águia simboliza a alma e a capacidade de se elevar acima das questões, ver ambos os lados, e fazer um julgamento justo. A cabeça do bode (no manto, a negro) significa a paixão e a ambição. Os dragões talhados no trono simbolizam o poder primordial.
Artur é Pendragon (cabeça do dragão) que celebra um casamento sagrado com a terra. Artur é amado pelo seu povo mas também é invejado - a porta aberta indica que há aqueles que, se dada a oportunidade, tomariam a sua coroa. O Imperador precisa de estar a par de tudo o que se passa na corte e de tudo aquilo que é feito em seu nome.
O trono assoma sobre Guinevere, representando a enorme responsabilidade da Imperatriz. Apesar da sua juventude, Guinevere exibe uma postura própria da realeza e está à altura do que lhe é exigido. Com flores no cabelo e um vestido verde, ela é a Rainha de Maio, ou seja, a renovação e a fertilidade. As flores de macieira simbolizam a Deusa e o seu processo de regeneração. As cores castanha e verde do trono e do vestido, respectivamente, correspondem à terra e à vegetação, aludindo assim à imagem nutridora da Mãe Natureza.
Como Rainha de Maio, Guinevere é responsável pelo bem estar do seu povo e da terra; um cargo que exige maturidade, sabedoria e, se necessário, auto-sacrifício. O manto roxo assinala realeza, liderança e privilégio. A águia simboliza a força obtida através da iluminação do espírito - ela tem a habilidade de superar as situações tomando acções definitivas. A harpa denota atracção pela Beleza.
Ao contrário da Sacerdotisa, que está sentada no exterior, a Imperatriz senta-se num grande salão: o seu reino é mundano e ela é a contraparte feminina do Imperador.
A noite de 31 de Outubro até à madrugada de 1 de Novembro é a primeira celebração do Inverno e o dia em que começa o ano novo celta. É também uma festa dos mortos. O cristianismo manteve a tradição da festa dos mortos, embora a restringisse aos mortos abençoados, daí que o feriado de dia 1 de Novembro se chame "dia de todos os santos". Como as pessoas exigiam o direito de celebrar também os seus mortos na data em que sempre o tinham feito, criou-se então o "dia de finados", a 2 de Novembro, conhecido em Inglaterra como o "dia de todas as almas".
É um tempo de começos e de encerramentos, através da morte no Inverno que se aproxima e do renascimento na próxima Primavera. Para os celtas, o tempo era cíclico. Nesta visão, a noite do ano novo era um ponto fora do tempo, o ponto em que o fim e o recomeço se ligavam, onde a ordem do universo se dissolvia no caos primordial, para se refazer numa nova ordem. Por isso, o Samhain era uma noite fora do tempo e desta forma era o momento apropriado para se ter acesso a qualquer outro ponto do tempo. Esta data também era conhecida como "o dia entre os anos". O dia antes de Samhain era o último do ano, e o dia a seguir era o primeiro do novo ano. Samhain encontrava-se entre os dois anos, sem pertencer a nenhum deles, sendo por isso particularmente mágico.
Nos tempos antigos, o povo celta celebrava a festa dos mortos para honrar a memória dos seus antepassados, pois esta era a noite em que as barreiras entre o mundo dos vivos e o dos mortos estavam mais finas e permeáveis, permitindo aos antepassados misturarem-se com os vivos, recebidos e festejados pelos seus parentes, trazendo por sua vez as bençãos do outro mundo. O véu entre este mundo e o dos mortos era levantado, e aqueles que estavam preparados podiam aventurar-se a ir até ao outro lado. Os rituais dos druidas pretendiam contactar os espíritos dos mortos, que eram vistos como guias e conselheiros. Os espíritos dos familiares, guardiães da sabedoria da tribo, eram honrados e festejados.
É a noite em que se contam histórias de fantasmas, em que se interpretam as cartas do tarot e que se estimula a capacidade de visualisação apoiada na superfície de um espelho ou de uma bola de cristal. Também são realizados encantamentos para afastar as situações negativas, de forma a renovar a energia para uma nova vida.
O costume de usar disfarces nesta data (tradição muito divulgada nos países anglófonos) começou por ser uma tradição em que as pessoas vestiam as roupas do sexo oposto, de acordo com o caos em que a realidade e o sobrenatural se interpenetravam. Era a data em que a ordem da sociedade podia ser quebrada e as pessoas podiam dar largas à brincadeira e à doidice (semelhante ao Carnaval).
Os celtas não acreditavam em demónios, mas as fadas eram muitas vezes consideradas hostis e perigosas para os humanos, sobretudo quando se queriam vingar dos homens que inadvertidamente ocupavam as suas terras. Nesta noite, aproveitavam a passagem entre os mundos para fazer partidas aos humanos, atraindo-os para que se perdessem para sempre nas terras das fadas, sem encontrarem a saída da sua dimensão. Muitas pessoas tinham o costume de se disfarçarem para pregar partidas aos vizinhos, fazendo-se passar por fadas, levando pepinos esculpidos como se fossem caras, para conseguirem um aspecto mais sobrenatural (as abóboras, originárias da Argentina, só foram introduzidas na Europa depois da descoberta das Américas).
A cabeça feita com uma abóbora oca, com uma vela acesa lá dentro (Jack o'Lantern), é um dos ícones desta data mais populares nos países anglófonos. As abóboras eram usadas como lanterna pelas pessoas que viajavam pelas estradas durante esta noite para que a carantonha afugentasse os espíritos ou as fadas que se cruzassem no seu caminho. Também eram colocados nas janelas e varandas, com a mesma intenção protectora do lar. Em Portugal, na zona de Guimarães, era costume meter uma vela acesa dentro de uma cabaça oca, no topo de uma vara que se espetava no chão durante as desfolhadas para assustar os vizinhos e na região de Aveiro, ainda hoje é hábito fazer papas de abóbora no dia dos Fiéis Defuntos.
Havia ainda o costume de deixar oferendas (comida e leite) à porta das casas, para que as fadas, em vez de importunarem os humanos, lhes agradecessem a oferta com a sua protecção. Os brincalhões disfarçados que andavam pelas ruas durante esta noite, aproveitavam para pilhar, ou mesmo exigir, essas oferendas. Vem daí o costume, nos países anglófonos, das crianças andarem disfarçadas de porta em porta, a pedir doces - em Portugal, também há o costume no dia 1 de Novembro de as crianças, em grupos, irem bater às portas e pedir o "pão por Deus" ou, em certas regiões, pedir "os santinhos".
A ideia de "noite das bruxas", divulgada pelo cristianismo, deu um aspecto muito negativo a esta data, que ainda hoje mantém a sua carga supersticiosa. Samhain, de acordo com a antiga divisão do ano em duas metades, é também conhecido por Halloween - da expressão All Allows Eve, "a noite em que tudo é permitido". As cores desta data são o negro, o laranja e o índigo. Os símbolos que lhe correspondem são o caldeirão, as velas votivas, o espelho mágico, as abóboras, os instrumentos de adivinhação (bola de cristal, tarot), a máscara e o Jack o'Lantern.
O aspecto da Deusa para este Sabbat é o da Anciã.
Referência Bibliográfica: Garcia Baptista, Wicca a Velha Religião do Ocidente, Pergaminho
Sou o vento que sopra sobre o mar,
Sou a onda do oceano,
Sou o murmúrio das vagas,
Sou o touro dos sete combates,
Sou o abutre sobre as rochas,
Sou um raio de sol,
Sou a mais bela das plantas,
Sou a valentia do selvagem javali,
Sou o salmão nas águas,
Sou um lago na planície,
Sou todo um mundo de conhecimentos,
Sou a ponta da lança de batalha,
Sou o deus que criou o fogo da mente.
Este poema consta na lenda das Invasões da Irlanda e terá sido declamado por Amergin - chefe bardo dos milésios, invasores da Irlanda - por volta de 1268 a.C., quando desembarcava na Irlanda. Foi preservado pelos monges irlandeses em forma de canção.
A sacerdotisa Nimue encontra-se num bosque sagrado. Ela é uma das sacerdotisas de Avalon - mensageiras da Deusa e depositárias da sabedoria antiga. No bosque, Nimue é rodeada pelos espíritos. Ao contrário da Imperatriz, que é coroada pelos humanos, a Sacerdotisa é coroada pelo povo Fay. Curiosos, não conseguem evitar tocá-la e brincar com o seu cabelo. Afinal de contas, ela não é um deles. Esta interacção representa a sua sensibilidade a outros planos, invisíveis para os humanos.
Misteriosa, curandeira talentosa e conselheira, ela também é respeitada pelos homens - a sacerdotisa caminha em ambos os mundos. Nimue está envolvida num manto iridiscente que simboliza o seu estado iluminado. A cor do seu vestido e do ambiente que a rodeia é púrpura e azul escuro - as cores do conhecimento místico.
Ao invés do tradicional livro no colo da Sacerdotisa, encontramos a chama que paira entre as suas mãos, símbolo da sua receptividade ao conhecimento. A sua arte não se adquire exclusivamente através do esforço e do trabalho. A sua capacidade inata para canalizar a energia eleva-a à posição de Sacerdotisa.
Merlin retira-se para o isolamento da sua gruta na montanha. Rodeado pela natureza, o mago é capaz de se centrar e ligar-se às forças que actuam através de si. Esta existência solitária permite-lhe ouvir as palavras do vento e saber das coisas que estão para vir.
Merlin é o guardião da Nascente Sagrada, assegurando o uso sensato e honrado dos recursos preciosos. Um lobo faz-lhe companhia, simbolizando a sensibilidade do mago às forças selvagens. Os seus poderes advêm da compreensão da sua natureza e não da tentativa de domínio. Em vez de baseada no medo, a sua relação é de respeito mútuo.
Dedaleiras crescem ao longo do riacho. Associadas ao mundo feérico, lembram que Merlin não está só. Na verdade, ele está rodeado e é assistido pelos espíritos invisíveis do bosque - as dríades. A planta em si é extremamente venenosa - pode trazer a morte - mas se for cuidadosamente preparada, traz a dádiva da vida. Isto ilustra a preparação minuciosa, o treino rigoroso e o conhecimento necessários para alguém aconselhar ou liderar outros. Serve também de aviso ao excesso de confiança, pois há sempre perigo quando se lidam com poderes de natureza dual.
O manto azul de Merlin representa a sua posição de honra no mundo dos homens, enquanto que as penas simbolizam a metamorfose e a ascensão espiritual do xamã.
The Arthurian Tarot - Anna-Marie Ferguson (clique na imagem para ampliar)
Perceval contempla o seu futuro - Camelot. As nuvens abrem-se e o sol brilha, revelando o castelo em todo o seu esplendor. Para Perceval, isto representa a oportunidade para realizar os seus sonhos e ambições. O brasão dos Cavaleiros da Távola Redonda pende sobre a entrada no castelo, representando um objectivo realista, que se pode alcançar mediante a disciplina.
A cena transmite um retorno à sensação de maravilhamento, de optimismo e fé, próprias da infância. O cão expressa esta exuberância e natureza brincalhona e reflecte as expectativas positivas de Perceval em relação ao futuro. O verde das árvores simboliza a fertilidade e potencialidades; a borboleta azul, a beleza e a liberdade; o rio límpido, a pureza e a boa vontade.
Perceval fixa a sua atenção no brasão mas não olha para o caminho que tem de percorrer até lá chegar. Parece inconsciente do facto de estar sobre uma saliência rochosa. Também ignora os escudeiros que cuidam dos cavalos. É preciso prestar atenção aos detalhes, aos sacrifícios e aos obstáculos que se nos deparam pelo caminho para atingirmos a nossa meta. Perceval não se apercebe que para se tornar um cavaleiro, terá primeiro de ser um escudeiro. A aventura começa...
Não sei se é sonho, se realidade,
Se uma mistura de sonho e vida.
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do sul se olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali
A vida é jovem e o amor sorri.
Talvez palmares inexistentes,
Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego dêem aos crentes
De que essa terra se pode ter.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez.
Mas já sonhada se desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar,
Sob os palmares, ã luz da Lua,
Sente-se o frio de haver luar.
Ah, nessa terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem.
Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri.
Deus, que leda que m'esta noite vi,
amiga,em um sonho que sonhei!
Ca sonhava, em como vos direi,
que me dizia meu amig'assi:
"Falade mig', ai meu lum' e meu bem!"
Nom foi no mundo tam leda molher
em sonho, nem no podia seer,
ca sonhei que me veera dizer
aquel que me milhor que a si quer:
"Falade mig', ai meu lum' e meu bem!"
Des que m'espertei ouvi gram pesar,
ca em tal sonho avia gram sabor
com o rogar-me, por Nostro Senhor,
o que me sabe mais que si amar:
"Falade mig', ai meu lum' e meu bem!"
E, pois m'espertei, foi a Deus rogar
que me sacass'aqueste sonh'a bem.
Os caldeirões mágicos são um motivo recorrente na mitologia celta. Alguns transbordam de abundância, outros devolvem a vida aos mortos, enquanto outros ainda contêm uma receita especial de sabedoria. O gigantesco Caldeirão da Abundância de Dagda provia grande quantidade de carnes deliciosas: não havia herói que ficasse com fome depois de um prato daqueles, embora os cobardes não tivessem direito a uma refeição completa.
Do enorme Caldeirão do Renascimento de Bran, os guerreiros saíam vivos mas mudos; outro Caldeirão do Renascimento encontrava-se em Annwn guardado por nove donzelas. Os Caldeirões da Inspiração continham caldos ou guisados de sabedoria. O mais famoso pertencia à deusa Ceridwen, cujo caldo mágico investiu Taliesin de clarividência. Alguns caldeirões, como o de Dagda, combinavam as propriedades mágicas da abundância e do renascimento. Vasos ou cálices misteriosos surgem também nos mitos gregos e orientais como recipientes sagrados de percepção espiritual. Os antigos caldeirões celtas foram porventura reformulados no Graal arturiano, que transborda de alimento espiritual e faz o herói ultrapassar a morte pela imortalidade.
O Graal, ou Sangreal, apareceu aos cavaleiros da Távola Redonda emanando uma luz fulgurante na qual se viram uns aos outros com maior ponderação e generosidade do que antes. A visão calou-os, tal como os guerreiros celtas emergiam do Caldeirão do Renascimento, vivos mas mudos. O Graal em si, envolto em samito branco, tinha a forma de um Cálice da Eucaristia, recordando a taça da Última Ceia. O cálice imbuíu o salão de doces aromas, e os cavaleiros comeram e beberam como nunca, o que lembra os Caldeirões da Abundância celtas.
Iluminura, c. 1400
Caldeirões do Renascimento (em baixo) seriam certamente grandes banheiras onde cabiam os corpos dos guerreiros alvejados. Aqui, um deus enorme parece mergulhar os guerreiros numa grande selha ou vaso enquanto as tropas montadas galopam em cima, após o seu mergulho de regeneração.
Caldeirão Celta, Prata Dourada, 100 AC
Os caldeirões celtas variavam muito de tamanho, mas caldeirões lendários como o de Dagda (o grande deus da mitologia irlandesa, chefe dos Tuatha De Danann - "o povo da deusa Dana") seriam tão grandes que tinham de ser transportados sobre rodas ou por um carro. Este carro de culto (à esquerda) representa um desses caldeirões monumentais. Os heróis montados com os seus elmos cristados, possivelmente caçadores, viajam triunfalmente para a caçada, ou regressados desta. Os dois veados, mais os caçadores, sugerem que a divindade que suporta o caldeirão da abundância é o deus da caça Cernunnos. (Carro de Culto, Bronze, 100 AC)
Referência Bibliográfica:
COTERELL, Arthur, Enciclopédia de Mitologia, Central Livros, 1998
A Mitologia Celta é fértil em feitiços, que revestem as histórias de uma qualidade onírica e cativante. O omnipresente Outro Mundo esconde-se por trás de grande parte das manifestações misteriosas e mágicas, penetrando as florestas e os lagos, e providenciando anéis e armas encantadas. Contudo, os feitiços surgiam também no mundo visível onde os bardos, os druidas e alguns heróis privilegiados, como Finn MacCool, possuíam poderes mágicos. Os bardos podiam debilitar o inimigo pelo poder da sátira ou de um sono encantado, enquanto os druidas enfeitiçavam o anfitrião com ilusões mágicas.
Fora do campo de batalha, o amor e a paixão eram igualmente sujeitos a feitiços, filtros do amor, ou encantos mágicos, como nos romances de Sadb, Rhiannon e Isolda. Mais afortunados, alguns heróis recebiam presentes do Outro Mundo, como a espada de Artur, Excalibur, ou a espada sidhe de Fergus Mac Roth; e inúmeros heróis foram alimentados ou ressuscitados por caldeirões mágicos.
A floresta encantada das lendas arturianas estava repleta de belas fadas sedutoras, que tentavam os cavaleiros errantes. Uma delas, La Belle Dame Sans Merci, descrita pelo poeta Keats, era uma banshee que atraía os amantes mortais para seu divertimento, inspirando-lhes uma paixão desesperada e depois deixando-os desprovidos de vontade ou objectivo na vida, até morrerem no lago, "sós e definhando palidamente". Aqui vemos o cavaleiro debilitado a dormir, sonhando com os pálidos reis e guerreiros escravizados pela Belle Dame. (La Belle Dame Sans Merci, de H. M. Rheam, 1897)
Excalibur, espada encantada de Artur brilhava com a luz de trinta tochas, ofuscando os seus inimigos. A preciosa bainha impedia a perda de sangue na batalha, mas Artur deu imprudentemente este talismã à sua meia irmã Morgana a Fada, para que o guardasse, e logo ela fabricou uma cópia para Artur, entregando o original ao seu amante, Accolon.
(Ilustração de Aubrey Beardsley, c. 1870)
Merlin, embora sábio e ponderado, foi enfeitiçado pela arrebatadora Dama do Lago, Nimue, e, mau grado a sua prudência, deixou-se atrair para debaixo de uma pedra onde ficou preso pelas suas próprias artes mágicas. Numa outra lenda, Nimue encantou Merlin sob um espinheiro e depois enrolou o seu véu de volta dele, criando uma torre de ar invisível na qual ele ficou para sempre aprisionado. Diz-se que a sua voz ainda se pode ouvir no lamento do vento roçando entre as folhas. (Ilustração de Alan Lee, 1984)