quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Sempre Não


Um cavaleiro, casado com uma dama nobre e formosa, teve de fazer uma longa jornada; receando que acontecesse algum caso desagradável enquanto estivesse ausente, fez com que a mulher lhe prometesse que enquanto ele estivesse fora de casa diria a tudo: - Não. Assim pensava o cavaleiro que resguardaria o seu castelo do atrevimento dos pajens ou de qualquer aventureiro que por ali passasse.

O cavaleiro já havia muito que se demorava na corte, e a mulher aborrecida na solidão do castelo não tinha outra distracção senão passar as tardes a olhar para longe, da torre do miradouro.

Um dia passou um cavaleiro, todo galante, e cumprimentou a dama; ela fez-lhe a sua mesura. O cavaleiro viu-a tão formosa, que sentiu logo ali uma grande paixão e disse:
- Senhora de toda a formosura! Consentis que descanse esta noite no vosso solar?
Ela respondeu:
- Não!
O cavaleiro ficou um pouco admirado da secura daquele não, e continuou:
- Pois quereis que seja comida dos lobos ao atravessar a serra?
Ela respondeu:
- Não.
Mais pasmado ficou o cavaleiro com aquela mudança, e insistiu:
- E quereis que vá cair nas mãos dos salteadores ao passar pela floresta? Ela respondeu:
- Não.
Começou o cavaleiro a compreender que aquele Não seria talvez sermão encomendado, e virou as suas perguntas:
- Então, fechais-me o vosso castelo?
Ela respondeu:
- Não.
- Recusais que pernoite aqui?
- Não.

Diante destas respostas o cavaleiro entrou no castelo, e foi conversar com a dama, e a tudo o que lhe dizia ela foi sempre respondendo - Não.  Quando no fim do serão se despediam para se recolherem a suas câmaras, disse o cavaleiro:
- Consentis que eu fique longe de vós?
Ela respondeu:
- Não.
- E que me retire do vosso quarto?
- Não.

O cavaleiro partiu, e chegou à corte, onde estavam muitos fidalgos conversando ao braseiro e contando as suas aventuras. Coube a vez ao que tinha chegado, e contou a história do Não; mas quando ia já a contar o modo como se metera na cama da castelã, o marido, já sem ter mão em si, perguntou agoniado:
- Mas onde foi isso, cavaleiro?
O outro percebeu a aflição do marido e continuou sereno:
- Ora quando ia eu a entrar para o quarto da dama, tropeço no tapete, sinto um grande solavanco, e acordo! Fiquei desesperado em interromper-se um sonho tão lindo.

O marido respirou aliviado, mas de todas as histórias foi aquela a mais estimada.

(Açores) - Contos Populares do Povo Português, recolha de Teófilo Braga
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