No século XII, quando o Amor Cortês estava no seu auge, um escrivão ao serviço de Marie de Champagne, filha da rainha Leonor da Aquitânia, compôs um livro de regras que codificavam as convenções pelas quais todo o amante se devia reger. Chamou-lhe A Arte do Amor Cortês e nele assim definiu o amor:
Love is a certain inborn suffering derived from the sight of and excessive meditation on the beauty of the opposite sex, which causes each one to wish above all things the embraces of the other and by common desire to carry out all of love's precept in the other's embrace.
Isto descreve a intensidade da paixão evidenciada pelos heróis arturianos e as suas amadas, embora não desvende o mistério que a alimentava. Uma outra citação de Gottfried von Strassbourg, que escreveu a melhor versão medieval de Tristão e Isolda, acrescentou-lhe uma outra dimensão. Nesta história, os amantes escaparam e encontraram refúgio na floresta de Morrois onde levam uma vida idílica juntos. Adornando a versão original, Gottfried descreve detalhadamente uma caverna fantástica onde o par vivia:
This grotto was round, high, and perpendicular, snow-white, smooth, and even, throughout its whole circumference. Above, its vault was finely keyed, and on the keystone there was a crown most beautifully adorned with goldsmiths' work and encrusted with precious stones. Below, the pavement was of smooth, rich, shining marble, as green as grass. At the centre was a bed most perfectly cut from a slab of crystal... dedicated to the Goddess of Love. In the upper part of the grotto some small windows had been hewn out to let in the light, and trough these the sun shone in several places.
O autor oferece-nos a interpretação acerca deste maravilhoso lugar. É circular, largo, alto, símbolo da simplicidade e poder do amor, e da sua aspiração a ser mais alto que as nuvens. A coroa incrustada de pedras preciosas representa as virtudes do amor e a cama de cristal simboliza a transparência e a translucidez de todo o amor verdadeiro. Neste lugar, o amor de Tristão e Isolda é honroso, ao contrário da perspectiva que o mundo exterior dele tem.
O amor não correspondido e todo o sofrimento daí advindo também tinha o seu lugar na convenção do Amor Cortês. A trancendência espiritual decorrida do desgosto amoroso encontra a sua melhor representação no mundo arturiano através do morrer de amor da Lady de Shalott.
O amor também é alegria e o seu exemplo pode transformar os outros. Gottfried diz:
If the two of whom this love-story tells had not endured sorrow for the sake of joy, love's pain for its ecstasy within one heart, their name and history would never have brought such rapture to so many noble spirits.
No final, a paixão humana torna-se inspiradora. Podemos ainda aprofundar o sentido desta mensagem se encararmos os amantes humanos como representantes dos deuses. Estes últimos experienciam todos os aspectos do amor através dos seus "substitutos" humanos. É através do amor que os deuses conhecem melhor o mundo mortal e que se fortalece a interacção entre os mundos, mantendo abertos os canais que medeiam entre o divino e o humano.
Não é por acaso que tanto Tristão como Lancelot amam rainhas. Numa passagem de Perceval,de Chrétien de Troyes, Gawain refere-se assim a Guinevere:
Just as the wise master teaches young children, my lady the queen teaches and instructs every living being. From her flows all the good in the world, she is its source and origin. Nobody can take leave of her and go away disheartened, for she knows what each person wants and the way to please according to his desires.O que os trovadores transmitiam nas suas canções e poemas era então o seguinte: é o elemento divino contido nas mulheres que inspira os homens a actos grandiosos. Deste modo, a cavalaria é alimentada pelo amor, tal como o amor se alimenta do serviço prestado por todos aqueles que seguem rigorosamente as regras da cavalaria.
O amor torna-se assim uma Iniciação. Também não é por acaso que muitas figuras femininas do ciclo arturiano pertencem ao domínio mágico, ao Outro Mundo. Ao cortejá-las, adorá-las e até ao casar com elas, os heróis partilham desta herança e os mundos aproximam-se aos níveis físico, emocional e espiritual. A própria Demanda do Graal não mostra mais do que outra face do amor...
O amor e o encontro entre os dois Mundos (How they met themselves, de Dante Gabriel Rossetti)