O poder enverdecedor do Graal
Viriditas, ou poder enverdecedor, são termos teológicos criados por Hildegarda de Bingen (1098-1179). Hoje conhecemo-la através dos escritos de Matthew Fox. Este diz-nos que Hildegarda usava viriditas como sinónimo de benção para se obter fecundidade e criatividade. Para si, a salvação, ou cura, era "o regresso do poder enverdecedor e da humidade". No ensaio "Viriditas: Greening Power", em Illuminations of Hildegard of Bingen, Fox escreve:
"Hildegarda faz contrastar o poder enverdecedor ou humidade com o pecado de secar. Uma pessoa que secou e uma cultura que secou perderam a capacidade de criar. É por isso que, para Hildegarda, secar é um pecado tão grave - interfere com a nossa vocação enaltecida para criar. "Só a Humanidade é chamada a criar", declara ela.
Viriditas... é a frescura de Deus que os seres humanos recebem nas suas forças vitais - espiritual e física. É o poder da Primavera, uma força germinadora, uma feminidade que vem de Deus e penetra toda a criação. Essa poderosa força vital encontra-se tanto no reino humano, como no que o não é. "A terra sua, gerando potência com os seus próprios poros", declara ela.Em vez de ver corpo/alma numa luta aguerrida, como fez Santo Agostinho, Hildegarda vê que "a alma é a frescura da carne, porque o corpo cresce e viceja por meio daquela, tal como a terra se torna fecunda através da humidade". Maria, a mãe de Jesus, é homenageada por ser a viridissima virga, o mais verde dos ramos verdes, o mais fecundo de todos nós. Ela é um ramo "cheio do poder enverdecedor da Primavera", e, neste pensamento, ressoam profundos sons harmónicos da tradição da deusa, na religião."
O verde e o Graal estão relacionados com a cura e a divindade. Nos textos alquímicos, a benedicta viriditas (a verdura abençoada) era um sinal do início da reanimação do material: mostrava que a vitalidade estava a regressar ao processo. Em The Grail Legend, Emma Jung e Marie-Louise von Franz descrevem a ligação entre o verde e o Graal:
"Como cor da vegetação e, num sentido lato, da vida, o verde está obviamente em harmonia com a natureza do Graal... Num simbolismo eclesiástico, o verde é a cor do Espírito Santo (o consolador) ou da anima mundi, e na linguagem dos místicos é a cor universal da divindade."
Na lenda do Graal, o rei precisa curar a ferida para o verde voltar a uma terra árida. É um velho, com uma ferida na coxa. O local da ferida sugere que perdeu a ligação à sexualidade, fertilidade, gerabilidade e criatividade, sofrendo do que Hildegarda considerava o pecado fundamental da secura ou aridez. Na sua correspondência com arcebispos, bispos, abades e sacerdotes, o Rei dos Pescadores da sua época, ela incitava-os a permanecer "molhados, húmidos, verdes e suculentos" e a permitir que lhes entrasse no coração "orvalho misericordioso", para abolir a secura.
Estar-se molhado, húmido, verde e suculento, é estar-se emocionalmente vivo. O corpo expressa sentimentos autênticos por meio da humidade: lágrimas de alegria ou prantos de mágoa, risos tão intensos que os olhos lacrimejam, ou se marejam quando certas emoções são afloradas ou recordações vêm à tona. As depressões do Rei dos Pescadores, pelo contrário, são emocionalmente áridas, de olhos secos, e sem humidade.
Hildegarda de Bingen também disse que deveríamos ser "verdes". Estar-se "verde" em relação a qualquer coisa é ser-se jovem e inexperiente. Contudo, só sendo-se verde e inocente, só tendo uma parte de nós que está verde, ou redescobrindo-a, se pode ser um Percival, um tolo ingénuo que consegue entrar no Castelo do Graal, ou ser-se a criança com entrada no Reino de Deus ou no Jardim da Deusa.
A promessa da Primavera, e o retorno da verdura a uma terra estéril, é também uma possibilidade psicológica simbolizada pelo regresso da deusa-donzela Perséfone a sua mãe, Deméter. Hildegarda descreve Maria como possuindo esse efeito de Persefoniano sobre a psique, quando escreveu: "Tu o rebento florescente, o mais verde... tu trazes frescura luxuriante", mais uma vez aos ressequidos e definhados do mundo. No Egipto, a Deusa-Mãe é Ísis, e é o regresso do seu divino filho da morte e do desmembramento que se equaciona como o reverdecimento anual do Vale do Nilo e com uma promessa simbólica semelhante. Osíris é a única divindade egípcia que tem o rosto verde.
in Travessia para Avalon, de Jean Shinoda Bolen, Planeta Editora, 1995
Hildegard von Bingen - Viridissima (Jocelyn Montgomery - Lux Vivens)