quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Tristão e Isolda - Parte V

Tristão sobreviveu ao seu mergulho no mar e preparou uma emboscada aos captores de Isolda, quando estes a levavam para a floresta. Não teve dificuldade em salvá-la, tento Tristão e Isolda vivido muitos meses na floresta, como proscritos. Os efeitos da poção amorosa, que fora preparada para durar três anos, estavam a desaparecer: tinham compartilhado um sonho maravilhoso e estavam a acordar, num mundo de dura realidade. O seu amor um pelo outro tornou-se real, mas o mesmo aconteceu com a sua forte sensação de remorso, por terem ferido o coração do rei Mark.

Tristão decidiu que devia deixar a Cornualha e ir para a Bretanha, e Isolda regressou a Tintagel, tendo jurado lealdade ao marido. Pouco tempo depois, Isolda, da torre, viu um pequeno barco que navegava para sul, ao longo da costa, e ficou a saber que nunca mais voltaria a ver Tristão vivo.




Tristão desembarcou na Bretanha, com o seu companheiro Gorvenal,, tendo-se ambos oferecido como guerreiros ao rei local, cujo nome era Hoel. Tristão, que nunca mais se importou com a vida ou com a morte, provou imediatamente a sua coragem, numa batalha contra uma tribo vizinha. Nessa noite, durante o banquete da vitória, o rei Hoel levantou-se e anunciou: "Hoje vi um novo herói, completamente temerário em combate; como recompensa, ofereço-lhe a mão da minha filha, Isolda das Mãos Brancas." Tristão, com a bebida, sentia-se agora tão temerário como estivera durante a luta. Olhou para Isolda das Mãos Brancas, que corara até ficar da cor da dedaleira que cresce nos charcos, o que lhe fez lembrar uma outra Isolda. Nessa noite dormiram juntos, mas Tristão não conseguiu fazer amor, tendo o coração distante. A desculpa encontrada foi que sofria de um ferimento antigo.

Isolda das Mãos Brancas tolerou a falta de interesse do seu marido e até começou a gracejar acerca disso com as suas aias. Um dia, andava ela à caça, com o seu irmão Kaherdin, quando, ao saltarem uma vedação, a lama esparrinhou e salpicou-lhe as coxas: "Ora!", exclamou, rindo. "Até a lama está mais interessada em mim do que meu marido." Então, nessa noite, Kaherdin interrogou Tristão e descobriu a verdadeiraa razão da sua frieza. Tristão fez Kaherdin jurar silêncio, prometendo que faria todos os esforços para esquecer o seu primeiro amor.

No dia seguinte, o forte de Hoel sofreu um ataque de surpresa e Tristão foi gravemente ferido. Isolda das Mãos Brancas não tinha as potentes ervas curativas de Isolda, a Bela (como os homens da Bretanha chamavam à rainha da Cornualha). Tristão, compreendendo que iria morrer, a menos que a própria Isolda viesse até ele, entregou uma mensagem a Gorvenal para que este a levasse à Cornualha: "Diz aos homens da Cornualha que estou a morrer de uma ferida envenenada e que só a rainha Isolda pode curar-me. Vai no meu barco e, se voltares com Isolda, iça a vela branca, mas, se ela não vier, deixa a vela negra." Isolda das Mãos Brancas ouviu por acaso a mensagem e soube, finalmente, onde estava o coração ausente de Tristão.

Alguns dias mais tarde, Tristão estava cada vez mais fraco e às portas do mundo dos mortos. Subitamente, ouviu o vigia do forte do rei Hoel gritar que um barco estava à vista. "Qual é a cor da vela?", perguntou à sua mulher. Isolda sentiu o ciúme avassalá-la. "É negra, meu senhor", respondeu. O coração de Tristão não aguentou e rebentou, quando Isolda, a Bela, e o rei Mark chegaram a correr ao seu quarto. Isolda inclinou-se sobre o seu amante morto e, ouvindo mentalmente os sons da sua harpa, cantou:


O Sol brilha, claro e belo,
E posso ouvir a doce canção dos pássaros;
Todos à minha volta cantam nas moitas
E os seus cantos são novos.

Vejo chegar a minha própria morte,
E canto uma balada que será considerada a mais querida,
E que não deixará de tocar os amantes,
Pois é o amor que me faz desejar morrer.


Tristão, meu amigo, amigo, amigo,
Aqui está o meu coração que confiei
Ao teu amor; não é um bom lugar para ele,
E agora morrerá pela tua espada.

Tristão, meu amigo, amigo, amigo,
Muito embora os deuses desprezem o meu desejo,
A minha alma habitará no teu espírito,
Nas terras dos bem-aventurados ou no Mundo dos Mortos.

Deixando-se cair sobre a espada de Tristão, Isolda seguiu-o para o Mundo dos Mortos. Assim, com a morte, os amantes regressaram ao forte do rei Mark, em Tintagel. Foram enterrados lado a lado, e os ramos entrelaçados de duas árvores cresceram das suas sepulturas.



in Mitologia Céltica, de David Bellingham, Editorial Estampa, 1999
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