Morholt morreu durante a travessia para casa, tendo havido grande pesar na Irlanda pela morte do seu herói. A filha do rei, cujo nome era Isolda, aprendera com sua mãe as propriedades mágicas das ervas. Quando, com as suas práticas, tentava fazer reviver Morholt, extraiu um pedaço de metal afiado da cabeça fracturada. Envolveu-o em seda, sabendo que um dia iria descobrir a espada de que provinha: nesse dia vingaria o tio.
Tristão sofreu um pequeno ferimento, produzido pela lança de Morholt, mas não sabia que esta fora previamente mergulhada num dos venenos preparados por Isolda da Irlanda.. A ferida começou a infectar e, em breve, ninguém se sproximou mais do quarto de Tristão devido ao cheiro pestilento. Tristão sabia que o antídoto para o veneno estava algures além do mar, pelo que ele próprio se fez ao oceano, onde se deixou arrastar muitos dias. Manannan, o deus do mar, olhou por ele e soprou suavemente o seu barco na direcção da Irlanda. Quando a terra apareceu à vista, Tristão pegou na sua harpa e cantou. O povo de Dublin ficou espantado ao ver um barco sem piloto. À medida que este se aproximava, ouviram os sons suaves de uma doce harpa e uma voz que cantava. A música enfeitiçou-os, puxaram o barco para terra e levaram o menestrel ferido, que disse chamar-se Tantris, para a corte. Foi lá tratado pelas aias da princesa Isolda e curado pelas suas ervas: mas os dois nunca se encontraram.
Na Cornualha, havia muito que Tristão fora dado como morto, pelo que foi grande o regozijo quando do seu regresso; mas, na corte de Mark, havia alguns que tinham inveja da afeição que o estranho Tristão inspirara no rei e que planeavam arranjar uma esposa para Mark, na esperança do nascimento de um filho, qe herdaria a Cornualha. O rei estava ao corrente das suas maquinações e, um dia, encontrou uma razão para adiar o casamento para sempre. Era o começo do Verão e Mark estava sentado junto a uma janela, olhando o mar. As andorinhas voavam baixo, por cima dos penhascos, e uma destas deixou cair um fio de ouro rosado no seu regaço. Mark enrolou-o nos dedos e percebeu tratar-se de um cabelo de mulher. Na festa dessa noite, Mark mostrou o longo cabelo louro e disse: "Muitos dos presentes desejam ver-me casado; porém, não casarei com mais ninguém a não ser com a dona deste cabelo. Haverá grandes recompensas para o homem que a descubra e a traga para a Cornualha." "Por ti matei Morholt", disse Tristão, "e para ti encontrarei uma esposa."
Dragão, estampa de Escher
Tristão partiu de Tintagel, com os seus amigos, num barco à vela. Manannan soprou uma grande tempestade, que os fez naufragar na costa, perto de Dublin. Os homens de Lothian disfarçaram-se de mercadores e deambularam pelos mercados, procurando ouvir quaisquer indícios quanto à dona do cabelo dourado; porém, as novas não eram de mulheres mas de dragões. Os campos em redor de Dublin estavam a ser devastados por um monstro cuspidor de fogo e o rei da Irlanda oferecera a mão da sua filha Isolda ao homem que lhe trouxesse uma prova da morte da criatura. Instintivamente, Tristão partiu em busca do dragão, seguindo a terra chamuscada na direcção do seu covil, onde se sentou à espera do regresso do monstro.
Estava Tristão a contemplar a Lua Cheia quando, contra esta, apareceu a sombra negra do dragão. O ar aqueceu quando ele se aproximou e Tristão pôde vê-lo, à luz do luar, quando voou na direcção da caverna. Era um dragão branco, com enormes asas e uma longa cauda pontiaguda; ao longo da espinha corria uma linha de espinhos venenosos e os dentes eram como lâminas cintilantes. Tristão enfrentou o monstro, que rugiu e projectou ondas de fumo branco pelas narinas, que o envolveram numa névoa. Tristão nada pôde ver, até que, de repente, a nuvem foi rasgada pelas fauces abertas do dragão. Tristão reagiu rapidamente e mergulhou-lhe a sua lança nas goelas, descrevendo o salto do salmão até ao pescoço, p or forma a cortar a língua bífida e envenenada do dragão. Pôs a língua dentro da meia e partiu para Dublin; porém, o calor do seu corpo fez sair o veneno e Tristão perdeu os sentidos, na passagem que levava ao covil do dragão.
O camareiro do rei irlandês, que desejava secretamente Isolda, estivera a observar toda a luta, do alto de uma árvore; com um machado, decepou a cabeça do dragão e levou-a ao rei, exigindo o seu prémio. Isolda estremeceu ao pensar num casamento com este homem, que era considerado um mentiroso e um cobarde por muitos dos cortesãos. Assim, foi com a sua mãe e Brangaine, a sua aia, ao covil do dragão; encontraram lá Tristão, inconsciente, com a língua bífida na mão. Então, ajudando-se umas às outras, trouxeram-no de volta à corte. Brangaine reconheceu-o então como sendo Tantris, o menestrel que tinham acolhido meses antes.
in Introdução à Mitologia Céltica, de David Bellingham, Editorial Estampa, 1999