domingo, 22 de agosto de 2010

Tristão e Isolda (Introdução)


Isolda e Tristão beberam incautos um filtro do amor que lhes fortificou a paixão nascente, unindo-os por um trágico e inquebrantável laço. A representação de Duncan retrata o ambiente celta (nos pormenores das vestes e nos entalhes na madeira) e a natureza intensa e eterna do amor de ambos. (Tristão e Isolda, de John Duncan, tela, 1912)

A história de Tristão e Isolda sofreu muitas transformações desde que apareceu, pela primeira vez, nos tempos célticos pagãos. Foram escritas centenas de versões diferentes, desde o período medieval, versões estas que culminaram com uma das maiores expressões do Romantismo do século XIX, a ópera de Wagner Tristão e Isolda. Os modernos eruditos têm atribuído estes relatos mais tardios a dois elementos literários medievais primordiais: a poesia do século XII do anglo-normando Thomas d' Angleterre e do alemão Eilhart von Oberg, e os romances em prosa da França do século XIII. Duas outras versões, do século XII, pelo poeta francês Beroul e um curto episódio anónimo, A Loucura de Tristão, não foram utilizados pelos autores mais tardios.

Estas cinco narrativas derivaram, provavelmente, de uma versão escrita original, já desaparecida. Esta hipotética primeira versão escrita deve ter constituído o culminar de uma tradição oral que remonta aos contadores de histórias célticos pré-cristãos. Os argumentos da sua origem céltica assentam, principalmente, na topografia da história, que nos leva através da maioria das primitivas áreas célticas, embora dos episódios passados na Bretanha céltica mais recente também tenha surgido uma adaptação pós-cristã.

Tristão procurou humildemente o Graal, embora duvidasse das hipóteses que teria de o encontrar por causa da sua paixão ilícita por Isolda. A dada altura da sua demanda, encontrou um esplendoroso castelo iluminado e animado de música. Contudo, foi tristemente escorraçado por um raio ardente de luz, pois apenas os mais puros podiam obter o Graal. (Ilustração de Evelyn Paul, c.1900)



As narrativas medievais situavam o castelo do rei Mark da Cornualha em Tintagel, com as suas conotações arturianas: por volta do século XIII, a história tornou-se parte do caudal da lenda arturiana. A terra nativa de Tristão era Lyonesse, nas primeiras versões: a tradição localiza esta terra perdida ao largo da costa da Cornualha, havendo aí muitas lendas locais de florestas e de sinos repicando no fundo do mar. Lyonesse poderá também ter sido um nome mítico (deriva da divindade solar céltica Lugh) para a zona píctica de Lothian. 
Numa versão da história, Tristão salta do alto de uma janela para escapar à prisão e regressar para junto da sua amada Isolda.



Os patronos literários medievais, tais como Leonor da Aquitânia, encorajavam os seus trovadores a produzir novas versões das velhas histórias de amor, que tanto realçariam a ideologia contemporânea do "amor cortês", como as alinhariam com o comportamento religioso corrente. A tendência para os "reaparecimentos medievais", a que a Europa do século XIX assistiu, inspirou as interpretações românticas dos poemas redescobertos. A principal fonte de Wagner foi o poema alemão de Gottfried von Strassburg (c. 1210), embora a história tenha uma relevância pessoal para Wagner, ao reflectir a sua própria aventura amorosa com a melhor amiga de sua mulher, Mathilde Wesendonck. Tennyson e outros poetas vitorianos também produziram versões da história.

Tristão e Isolda, encantados por um filtro de amor, contemplam-se arrebatados. Numa versão da história, os dois já se tinham apaixonado antes de beberem a poção, que apenas serviu para lhes desinibir os escrúpulos. Esta ilustração vitoriana capta a natureza extrema do amor cortês. (Ilustração de Evelyn Paul, 1900)

A subjacente natureza céltica pagã da história nunca se perdeu: é difícil cristianizar ou submeter inteiramente uma história que trata de uma aventura amorosa adúltera. Muitos ainda acreditam que a poção de amor foi um acrescento pós-cristão, que forneceu uma desculpa para o comportamento pecaminoso dos amantes. Contudo, parece mais provável que esta seja uma interpretação cristã de uma característica céltica original, pois os expedientes mágicos são comuns na mitologia céltica e reflectem o ritual religioso druídico.

Tristão e Isolda apegaram-se obsessivamente um ao outro depois de terem acidentalmente bebido um filtro do amor destinado a Isolda e ao seu noivo, o rei Mark da Cornualha. Os amantes malditos viveram um romance trágico e desesperado, assolado pela culpa e desejos impossíveis - encarnando o aspecto mais negativo do amor cortês (Tristão e Isolda, de A. W. Turnball, tela, 1904) 

O crescimento e as aventuras heróicas de Tristão lembram as façanhas do irlandês CuChulainn e do galês Pryderi. Do mesmo modo, a forte e intransigente caracterização de Isolda e, de facto, o próprio enredo básico encontram paralelo nas histórias da irlandesa Deirdre e da galesa Branwen. Não há uma versão "autêntica" de Tristão e Isolda: alguns dos principais pormenores da história diferem de uma para outra narrativa e as motivações das principais personagens variam de acordo com as intenções do poeta e da audiência. A versão em prosa que aqui vai ser apresentada omite elementos medievais e cristãos. Contudo, estão incluídas algumas baladas de trovadores franceses medievais a fim de realçar a narrativa à maneira céltica.

Tristão teve de se exilar na Bretanha depois de ser expulso da corte do rei Mark, na Cornualha. Lá, serviu o rei Hoel e casou com a sua filha, Isolda das Mãos Brancas. Depois da morte de Tristão, a sua mulher atirou-se de um penhasco, motivada pelo desespero de o seu amor nunca ter sido correspondido.
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