domingo, 22 de agosto de 2010

A donzela do Graal e a Deusa

O Graal que pode curar o rei, o Graal que desapareceu do mundo está na posse da donzela do Graal, que o transporta na procissão do mesmo. Se um cavaleiro inocente o vir e perguntar o que tem o rei ou a quem é útil o Graal, então, segundo a lenda, o rei será curado pelo Graal e o ermo recuperará.
Há um paralelo mitológico entre o ermo da Lenda do Graal e a terra devastada onde não cresceria vida nova até uma furiosa e sofredora Deméter arrancar a filha, Perséfone, ao Mundo Inferior. Esta e a donzela do Graal são símbolos semelhantes: a Primavera, o regresso da verdura à terra, virão através delas. O seu desaparecimento é um motivo de aridez e de uma falta de vida: o reaparecimento tanto duma como doutra reanima a terra morta.  (Ilustração de Howard David Johnson)
Perséfone, no seu mito de deusa raptada, era designada por a Kore ou a Donzela. Acho que isso se ajusta ao que eram de facto: a faceta de donzela da Grande Deusa, outrora homenageada, trinitária como Donzela-Mãe-Anciã, cujo culto foi abolido por seguidores dos deuses patriarcais judio-cristão e muçulmano.

Perséfone foi raptada por Hades, rei do Mundo Inferior. A donzela do Graal pode ser considerada tão cativa como Perséfone. Ambas desapareceram do mundo. Embora Perséfone estivesse cativa no Mundo Inferior que Hades governava, este não podia fazer com que ela o amasse. O rei do Graal encontra-se numa posição igual. Embora senhor do castelo, o Graal que o curaria, que a donzela do Graal transporta, está para lá do seu poder de exigência.
Tanto o Rei dos Pescadores como Hades governam reinos onde não existe vida. Os seus reinos são um ermo e uma terra dos mortos. Só se Perséfone voltar à mãe desgostosa, Deméter, a terra frutificará mais uma vez. Só se um cavaleiro entrar no castelo do Graal e disser o que tem de ser dito, o Graal curará o rei e recuperará o ermo. Só se estas condições forem cumpridas, a Mãe Natureza, Deméter, a Deusa, reanimará o reino estéril. Só então a Deusa-Mãe regressará e cumprirá as suas funções. A donzela transporta o Graal, que é o vaso curativo, nutriente e uma representação simbólica da Deusa. A Kore tem de ser reunida à Mãe, que pode, uma vez mais, ser quem fornece à terra a verdura, a agricultura, e a dadora do Mistério cujos iniciados não mais temiam a morte.
A Deusa das Ilhas Britânicas druídicas e a Deusa da Antiga Europa são uma e a mesma. Quando nós, seres humanos, deixámos de lhe prestar culto, também perdemos a ligação à terra como sagrada, deixámos de estar sintonizados com as estações e toda a vida, perdemos uma espiritualidade encarnada. Com o domínio dos deuses do Pai do Céu, o domínio exercido sobre a Terra e tudo o que era vida (incluindo as mulheres) foi considerado um direito divino dos homens - supostamente criados à imagem de Deus. Todavia, na linguagem simbólica do mito, o conhecimento da Deusa abolida foi conservado, tal como os sonhos "lembram" em linguagem simbólica o que o ego suprime.
A falta de significado e a depressão seguem-se, muitas vezes, a esse desligamento do Graal e da Deusa. Para curar o seu ermo, o indivíduo tem de restabelecer uma ligação vital com a Natureza Mãe, ou a Deusa-Mãe, ou o arquétipo da mãe no seu aspecto positivo. Esse elo é simbolizado por Perséfone, a Kore, ou pela donzela do Graal. Para as mulheres, a Donzela é a filha sagrada da Grande Mãe, através da qual têm uma sensaçã íntima de que a divindade e a feminilidade estão ligadas. Para os homens, a Donzela é outra designação para a anima, ou imagem da alma, a etiqueta de Jung para a faceta feminina nos homens.
in Travessia para Avalon, de Jean Shinoda Bolen, Planeta Editora
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