domingo, 11 de julho de 2010

Travessia para Avalon: A descoberta do Tor

Seja de que ângulo for, o Tor emana poder e mistério. Há algo de invulgar e escultural na forma, com os socalcos espiralados que se parecem desenrolar em volta dos seus flancos, e a torre no cume faz lembrar um megálito do tamanho dos de Stonehenge. A torre é somente os despojos de uma Igreja de São Miguel que dominava antes o Tor. Um terramoto estranho fez desabar a igreja e deixou apenas a torre.

Em Inglaterra, locais antigamente consagrados à Deusa foram arrebanhados pelos cristãos de uma de duas maneiras: construindo-se igrejas dedicadas a São Miguel, como no Tor, ou capelas em louvor de Maria. Geralmente, representa-se São Miguel a pisar uma serpente, que era um símbolo da Deusa, e que também representava as correntes de energia telúrica ou "linhas de ligação" - assim chamadas em Inglaterra - que "serpenteiam" sob o solo em locais sagrados.

Na China, tais linhas designam-se por lung-mei, os caminhos do dragão: até hoje, na moderna Hong Kong, os geomantes são consultados acerca dessas correntes do dragão antes de se construir edifícios. As zonas onde a energia é mais forte tornam-se em locais sagrados, ou, por palavras correntes, pontos de poder.

As imagens associadas a essa energia são arquetipicamente semelhantes, esteja-se na Europa Ocidental ou na China. A cobra, o dragão chinês e a serpente têm todos corpos ondulantes e poder. Mas, enquanto nas culturas que respeitam a Terra, o dragão foi julgado benevolente, nas culturas judaico-cristãs onde a Terra (as deusas e as mulheres) tinha de ser subjugada, dragões, cobras e serpentes deviam temer-se - espezinhados por São Miguel, expulsos por São Patrício, ou mortos por São Jorge. (...)

O segundo processo de usurpar os locais da deusa era construir aí capelas, ou catedrais, em louvor de Maria. Como expressão feminina da divindade, Maria é arquetipicamente a Deusa-Mãe. (...) Porque, pondo de parte os pontos discriminatórios invocados pelos teólogos, o homem ou a mulher que reza a Maria está a falar com a mesma deusa compassiva cujo nome era, entre outros, Deméter, Ísis, Tara ou Kuan Yin, deusas essas que compreendiam, como Maria, o sofrimento. A filha de Deméter, Perséfone, foi raptada para o mundo inferior, e o filho de Ísis, Osíris, foi desmembrado, mas, tal como o Filho crucificado de Maria, tanto Perséfone como Osíris ressuscitaram. Quando se erigiram capelas a Maria, em antigos sítios de deusas, com efeito, estas foram re-consagradas e re-nomeadas: são locais onde se pode dizer que a Deusa continua a ser homenageada. (...)


Passeio no Tor
(...)
Ao ver-se o Tor de longe, a torre chama a atenção e parece ser o destino dos caminhos em espiral. No entanto, no Tor (...) tive várias impressões. A torre parecia, então, uma estrutura imposta, um artefacto que não pertencia ao todo. Em contrapartida, senti que aquele poder residia no próprio monte em forma de útero. Em vez de sentir um impulso para ir até ao cume, pareceu-me que devia haver um túnel, a partir de baixo, que penetrasse no monte.

Tais pensamentos, descobri depois, revelaram-se conjecturas antigas que outros tinham feito acerca do Tor: haveria um local oco ali dentro? Teria o Tor uma entrada para o mundo inferior? Geoffrey Ashe escreve: "Até hoje persiste uma lenda local afirmando que o Tor tem uma câmara no seu interior. Habitualmente diz-se que a câmara fica por baixo do cume, talvez a uma distância grande abaixo deste. Diz-se que houve pessoas que descobriam um caminho e saíam de lá loucas."

Na mitologia céltica, o mundo-além, o reino subterrâneo é Annwn, um reino de fadas. Tem-se associado esse reino com o Tor de Glastonbury. (...)

Túneis e subsolos ocos são imagens universalmente associadas à Terra-Mãe, como útero e túmulo, com a Deusa que nos dá vida e nos volta a possuir na morte. É certo que a Terra funciona como um caldeirão de regeneração: tudo morre e tudo vai para a terra ou para a atmosfera da terra, sendo reciclado e regenerado numa nova vida. A Terra-Mãe é igualmente o caldeirão da abundância, do qual vem tudo o que é necessário para alimentar a vida.

O Tor de Glastonbury, de forma uterina, suscita ideias acerca do mundo-além e de espaços ocultos debaixo do chão.

(...) De qualquer forma, o que é o Tor? Porque estejam nas profundezas da terra ou nas profundezas das psiques, na consciência, quer do visitante quer do nativo, vêm sobrenadar imagens relacionadas com o mundo-além e a Deusa.

Para mim, passar pelo Tor e acudirem-me impressões, que se revelaram como parte de lendas e conjecturas, ajusta-se ao que se tem dito sobre Glastonbury: é realmente um sítio onde o véu entre os mundos é mais fino. (...)
in Jean Shinoda Bolen, Travessia para Avalon, Planeta Editora





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