domingo, 20 de junho de 2010

Artur

AS LENDAS ARTURIANAS

O mito tende a ignorar as realidades históricas do tempo e do espaço. Tais inconsistências, entre facto e ficção, são inevitáveis quando homens e mulheres reais se tornam heróis e heroínas lendários, não sendo em parte alguma isso mais notório do que nas lendas arturianas.

O reinado de Artur marcou uma era de ouro da Bretanha, uma época de cavalheirismo na guerra e no amor e, durante séculos, escritores e artistas romantizaram a sua história. O Artur histórico “real” foi sempre quase inteiramente transformado pelas lendas românticas dos períodos medieval e moderno. As primeiras narrativas do homem, como se encontram na History of Britons do século XIX, e na History of the Kings of Britain do século XII, por Geoffrey de Monmouth, são duvidosas e extremamente discutíveis. Contudo, o uso cauteloso destas fontes, juntamente com a “evidência” mítica, aponta para um famoso guerreiro romano-britânico céltico (de seu nome provável Artorius), a combater por uma Bretanha deixada indefesa pela partida das legiões romanas, nos princípios do século V. Os inimigos de Artur incluíam, provavelmente, os Pictos célticos e os Escoceses, embora as suas batalhas principais pareçam ter sido contra os Anglo-Saxões não célticos.


O rei Artur (mosaico da catedral de Otranto, Itália; séc.XII)

Artur é sem dúvida o mais conhecido dos heróis celtas. Era o mais popular na Idade Média, quando as façanhas dos cavaleiros da Távola Redonda impressionavam a maior parte da Europa Ocidental. Foi com alguma apreensão que a Igreja permitiu que uma versão cristianizada destes mitos celtas assumisse um papel tão importante na imaginação medieval. A ortodoxia nunca viu com bons olhos a história do Graal, ou Sangreal, que José de Arimateia teria trazido à Grã-Bretanha, já que as propriedades mágicas do cálice eram facilmente identificáveis com as do caldeirão celta, um vaso de abundância e renovação.

Os poemas de Chrétien de Troyes, escritor do século XII, dão-nos as versões mais antigas do romance arturiano – as delicadas convenções medievais do amor cortês estão condensadas no amor de Lancelot pela rainha Guinevere; rudes guerreiros de tradição céltica são transformados em perfeitos cavaleiros; e as heróicas buscas de testemunhos druídicos tornaram-se peregrinações cristãs em busca do Santo Graal. Muitos outros romances arturianos medievais se seguiram e os contos do rei Artur e dos seus Cavaleiros da Távola Redonda em breve se tornaram conhecidos em toda a Europa. Gradualmente, estas histórias, ligadas entre si de uma maneira vaga, foram reunidas em versões “completas”, tal como os feitos dos vários cavaleiros foram tecidos em redor da figura heróica central do rei Artur, tendo sido também incorporados aqueles que, originalmente, eram romances não arturianos, como Tristão e Isolda.


Howard David Johnson

A versão em prosa de Sir Thomas Malory, La Mort d’ Arthur, de 1485, foi uma das primeiras obras impressas em inglês. No fim do século XVIII e durante o século XIX, os escritores românticos fizeram reviver os romances arturianos medievais, que culminaram, no período vitoriano, com o poema de Lord Alfred Tennyson, Idylls of the King. O mundo musical explorou igualmente os romances: o compositor alemão Wagner reuniu enormes audiências para as suas óperas arturianas românticas Lohengrin, Parsifal e Tristão e Isolda.

ARTUR ( - uma versão)

Num castelo sombrio construído sobre um promontório rochoso que avança mar adentro, Igraine aguarda o regresso do marido, Gorlois, Duque da Cornualha. Não é ele porém, quem entra nessa noite no seu quarto, e sim Uther Pendragon, o rei da Bretanha - a quem o mágico Merlin deu a aparência de Gorlois, a fim de satisfazer a paixão ilícita do rei por Igraine e concretizar o maior plano da vida de Merlin. É concebido um filho. Merlin apodera-se do filho de IgraIne e entrega-o ao bom Sir Ector para que o eduque como seu filho... Assim começa a história do lendário rei Artur.



Quando Uther Pendragon morreu, os Cavaleiros da Távola Redonda tiveram grandes dificuldades em nomear um novo rei e decidiram recorrer ao conselho de Merlin. O mago disse-lhes que o sucessor de Uther seria aquele que conseguisse retirar uma espada mágica de uma pedra que aparecera misteriosamente em Londres. Vários cavaleiros tentaram arrancar a espada da pedra, mas nenhum conseguia fazê-la mover-se.

Artur foi a Londres assistir ao seu primeiro torneio, onde participava um cavaleiro a quem Merlin entregara a tutela do rapaz. Não conseguindo localizar a sua espada, o cavaleiro disse a Artur que lhe fosse buscar uma. Sem perceber o significado da espada na pedra, Artur retirou-a e entregou-a ao amo abismado. Deste modo se descobriu o herdeiro de Uther Pendragon.



Mesmo assim, alguns cavaleiros não aceitaram a soberania do rei Artur. O jovem rei teve de recorrer à ajuda de Merlin para derrotar os seus opositores e restaurar a paz na Britânia. Artur apercebeu-se desde cedo que o seu poder dependia muito da magia. Tendo uma vez desembainhado a espada sem razão contra um dos seus cavaleiros, Artur viu com espanto a lâmina despedaçar-se. Merlin salvou-o adormecendo o cavaleiro, pois Artur estava desarmado. Desesperado, o rei vagueou sem destino até se encontrar nas margens de um lago onde, estupefacto, viu uma mão emergir da água com uma outra espada mágica. Tratava-se de Excalibur, o seu apoio seguro, segundo as palavras da Dama do Lago, que lha entregou.

De novo armado e tranquilo, Artur tornou-se num grande rei. Sob o seu benévolo domínio, a Bretanha goza 12 anos de paz, época em que se assiste ao grande florescimento da cavalaria. Arthur chama ao seu castelo de Camelot. Artur derrotou os anglo-saxões, ajudou o rei Leodegraunce da Escócia nas suas batalhas contra os irlandeses e liderou campanhas em lugares tão afastados do seu reino como Roma. Como recompensa pelo auxílio prestado, Leodegraunce prometeu a Artur a mão da sua filha Guinevere. A princípio, Merlin opôs-se ao casamento, pois sabia que Guinevere estava apaixonada por Sir Lancelot, o mais belo dos Cavaleiros da Távola Redonda. Mas depois abençoou o casal e, segundo um dos mitos, deu a Artur a Távola Redonda como prenda de casamento.

O engenhoso Merlin arquitectara em tempos para Uther Pendragon uma magnífica praça-forte onde colocara a famosa Távola Redonda, que acomodava cento e cinquenta cavaleiros sentados. Os que ali se sentam são ensinados por Merlin a evitar o crime, a crueldade e a maldade, a fugir da traição, da mentira e da desonestidade, a dar o perdão aos que o pedem e, acima de tudo, a respeitar e a proteger as mulheres. De Camelot, os cavaleiros partem a combater dragões, gigantes e anões astuciosos; os seus encontros com as "forças do mal" ocorrem habitualmente em castelos assombrados, florestas obscuras e jardins encantados. Orgulhos de seus feitos, regressam então ao castelo para contar na corte as suas histórias.


Távola Redonda do rei Artur (Arquivo da Biblioteca Pública de Nova Oorque): a Távola Redonda prevenia as disputas sobre a precedência, sombolizava a completude e representava a Mesa da Última Ceia, com o Graal ao centro.

A Távola Redonda poderá estar relacionada com José de Arimateia, principalmente porque tinha um sítio especial reservado ao Graal. José de Arimateia ter-se-ia alimentado do Graal, enquanto esteve preso na Palestina. Mais tarde, trouxe-o para a Grã-Bretanha onde desapareceu devido à vida pecaminosa dos seus habitantes. Assim, a recuperação do Graal tornou-se uma grande demanda para os cavaleiros de Artur.

A rainha Guinevere e Lancelot acabaram por se tornar amantes e quando Artur descobriu a infidelidade da mulher, Lancelot teve de fugir para a Bretanha. Artur perseguiu Sir Lancelot e cercou-o na sua praça-forte bretã. Contudo teve de levantar o cerco ao receber a notícia de que o seu sobrinho (noutras versões, seu filho) Sir Mordred se apoderara de Camelot e forçara inclusive Guinevere a aceitar casar-se com ele, após ter espalhado rumores de que o rei morrera em campanha. Regressado à Inglaterra, o rei convocou os seus cavaleiros para combaterem os rebeldes. Antes do conflito, o rei e o seu sobrinho acordaram que nunca haviam de reunir os seus exércitos para discutirem a possibilidade da paz. Por não confiarem um no outro, cada um deles ordenara às suas forças que atacassem se vissem quem quer que fosse sacar de uma espada. Quando um cavaleiro desembainhou a sua arma para matar uma serpente, disputou-se uma terrível batalha onde sucumbiu a flor da cavalaria britânica.

Apenas dois dos cavaleiros de Artur sobreviveram num campo de batalha coberto de mortos e moribundos. Embora vitorioso, o rei Artur teve de ser transportado em braços por estes dois cavaleiros, tal a gravidade dos seus ferimentos. Reconhecendo a morte próxima mandou atirarem Excalibur a um lago, onde logo emergiu uma mão para a apanhar. Depois, Artur fez-se ao mar num barco mágico e desapareceu. As suas palavras foram que rumaria a Avalon para curar as suas feridas e que um dia haveria de regressar para de novo liderar o seu povo.


Aubrey Beardsley, How Sir Bedivere Cast the Sword Excalibur into the Water, 1894

A inscrição no túmulo de Artur em Glastonbury recupera esta noção celta da reencarnação: “Aqui jaz Artur, foi rei, rei será”. O facto de não ter chegado a morrer, porém, não bastou para salvar o seu reino debilitado dos ataques anglo-saxões. Todo o mito arturiano se desenrola em torno da desagregação da unidade dos cavaleiros estabelecida em torno da Távola Redonda, finalmente destruída pelo ódio implacável entre Artur e Mordred.


James Archer, The Sancgreall, King Arthur healed of his grievous wound, 1863
A aparição alada segurando o Graal simboliza a esperança e promessa futura do reino de Artur.


Referências bibliográficas:

COTTERELL, Arthur, Enciclopédia de Mitologia, Central Livros LDA, 1998
BELLINGHAM, David, Mitologia Céltica, Editorial Estampa, 1999


Para um estudo mais detalhado ver aqui

Ou aqui
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