quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Conde Nilo

Frederick William Burton, Meeting on the turret stairs

Conde Nilo, conde Nilo
Seu cavalo vai banhar;
Enquanto o cavalo bebe,
Armou um lindo cantar.
Com o escuro que fazia
El-rei não o pode avistar.
Mal sabe a pobre da infanta
Se há-de rir, se há-de chorar.
– «Cala, minha filha, escuta,
Ouvirás um bel cantar:
Ou são os anjos no Céu,
Ou a sereia no mar.»
– «Não são os anjos no Céu,
Nem a sereia no mar:
É o conde Nilo, meu pai,
Que comigo quer casar.»
– «Quem Fala no conde Nilo,
Que se atreve a nomear
Esse vassalo rebelde
Que eu mandei desterrar?»
– «Senhor, a culpa é só minha,
A mim deveis castigar:
Não posso viver sem ele..
Fui eu que o mandei chamar.»
– «Cala-te, filha traidora,
Não te queiras desonrar.
Antes que o dia amanheça
Vê-lo-ás ir a degolar.»
– «Algoz que o matar a ele,
A mim me tem de matar;
Adonde a cova lhe abrirem,
A mim me têm de enterrar.»


Por quem dobra aquela campa,
Por quem está a dobrar?
– «Morto é o conde Nilo,
A infanta já a expirar.
Abertas estão as covas,
Agora os vão enterrar:
Ele no adro da igreja,
A infanta ao pé do altar.»
De um nascera um cipreste,
E do outro um laranjal;
Um crescia, outro crescia,
Coas pontas se iam beijar.
El-rei, apenas tal soube,
Logo os mandara cortar.
Um deitava sangue vivo,
O outro sangue real;
De um nascera uma pomba,
De outro um pombo torcaz.
Senta-se el-rei a comer,
Na mesa lhe iam poisar:
– «Mal haja tanto querer,
E mal haja tanto amar!
Nem na vida nem na morte
Nunca os pude separar.»

Almeida Garrett, Romanceiro
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