Aventura, magia e romance constituem a matéria da tradição arturiana que vai buscar a sua força a diversas fontes. Dos mitos e lendas celtas derivam as histórias de Artur, de Avalon, de Merlim e das mulheres feéricas, guardiãs do Outro Mundo. Das canções de gesta medievais brotam as histórias dos cavaleiros da Távola Redonda: Lancelot, Galahad, Perceval, Gawain, e muitos outros, cujas aventuras encheram milhares de páginas de manuscritos relatando as suas jornadas pelas escuras e impenetráveis florestas do mundo arturiano. Do complexo código do Amor Cortês, surgiu uma nova atitude perante as mulheres que, ao invés de serem encaradas como mera mercadoria matrimonial, passaram a ser vistas como potenciais deusas (no contexto da convenção literária, entenda-se...). Exemplos destas heroínas são: Guinevere, Isolda, Elaine de Astolat, Elaine de Corbenic e muitas outras, também elas cortejadas, resgatadas e amadas pelos seus cavaleiros.
A quintessência da cavalaria - os cavaleiros de Artur partem na demanda de feitos heróicos, em nome da sua honra e para merecerem o amor das suas damas.(The Grail Quest Begins Tapestry, Edward Burne-Jones)
Subjacente a toda esta estrutura reside uma dimensão mais profunda, vinda de uma tradição mágica transmitida ao longo dos tempos e que floresceu na literatura medieval. O tema ancestral da interacção entre a dimensão humana e o Outro Mundo aparece constantemente no ciclo arturiano. Os segredos da imortalidade, da harmonia com a terra, do verdadeiro amor e da realização espiritual, são apenas algumas das dádivas destes heróis e heroínas. Estranhas e terríveis eram as suas aventuras, assim como estranhos e terríveis os seus adversários; magos e feiticeiras, damas encantadas, feras dotadas de inteligência humana, serpentes transformadas em belas mulheres se alguém fosse suficientemente ousado para as beijar, inimigos invisíveis, demónios, fantasmas e cavaleiros cuja armadura mudava de cor em segundos.
Frank Dicksee, Chivalry
Até a natureza se revelava irreal, com sangue a brotar de fontes, árvores com uma metade em chamas e a outra metade verde, terras estéreis tornadas férteis só com uma simples palavra...
Anéis mágicos, armas, cavalos, espadas retiradas de pedras, barcos que navegam por si próprios e figuras de xadrez movidas por mãos invisíveis, são só alguns dos elementos que compõem o mundo da tradição arturiana.
Não são simplesmente histórias. Nelas reside uma profundidade da experiência humana derivada de dimensões intemporais. Fazem parte da tradição Ocidental e, de um modo extrordinário e único, constituem o plano de fundo das nossas vivências quotidianas. Os mitos são intemporais e não se restringem a inclinações individuais. No entanto, são para todos:
The myths never have a single meaning, once and for all and finished. They have something greater; they have meaning itself. If you hang a crystal sphere in the window it will give off light from all parts of itself. That is how the myths are; they have a meaning for me, for you, and for everyone else. (Pamela Travers)
Ao meditarmos com as imagens e os acontecimentos das lendas arturianas, e analisarmos os seus arquétipos, podemos aprofundar a nossa consciência do seu potencial transformativo da nossa própria demanda pessoal...
Sir John Gilbert, Enchanted Forest, 1886
Referência bibliográfica:
MATHEWS, John, The Arthurian Tradition, Element Books, Limited, 1994