Nos sonhos e na literatura, é frequente os acontecimentos darem-se em paisagens que servem como metáforas para o terreno emocional e espiritual.
Depois de sair do Castelo do Graal, Perceval encontrou-se perdido na floresta. Lá conheceu muitas pessoas e situações que o confundiram. Encontrou uma donzela chorosa lamentando um guerreiro que fora decapitado, uma donzela maltratada num cavalo velho e desgraçado, uma rapariga asquerosa, horrível de se observar, um eremita numa capela, um cavaleiro negro num túmulo, um cavaleiro morto estendido num altar, uma misteriosa mulher envergando uma túnica vermelha salpicada de estrelas, uma criança numa árvore de luzes. Deparou com animais e entre eles: um perigoso veado branco, um cavalo preto e branco, um cavalo totalmente branco e um cão branco com uma trela de ouro. Foi desafiado para um jogo de xadrez, resolveu caçar o veado, libertou o cavaleiro do túmulo. Como nos sonhos, algumas figuras eram auxiliadoras, outras hostis ou neutras para consigo, e todas as personagens e situações podiam ser interpretadas simbolicamente.
As pessoas no meio de um período de floresta talvez descubram que deparam com projecções ou acontecimentos sincronísticos: o que podemos achar adorável ou asqueroso nos outros corresponde provavelmente a características ou atitudes que são do nosso foro. Da mesma forma, talvez sejamos nós aquela rapariga repelente, o cavaleiro decapitado, ou a chorosa donzela aos olhos de qualquer outra pessoa - ou até aos nossos.
Elizabeth Stanhope Forbes
Damos connosco "na floresta", quando perdemos os habituais pontos de referência: quando deparamos connosco a pôr em causa o significado do que estamos a fazer, ou das pessoas com quem nos achamos, ou temos sérias dúvidas acerca do caminho que andávamos a seguir ou da direcção que tomámos na última encruzilhada.
A floresta, o labirinto, o "mundo-além", o mundo inferior, o mar e as profundezas marinhas são todos descrições poéticas e simbólicas da forma como percepcionamos o inconsciente como reino. É onde estamos quando estamos perdidos, e é onde precisamos de ir para nos encontrarmos. A individuação, a necessidade de vivermos partindo das nossas próprias profundezas de uma maneira autêntica e que nos faça crescer, é uma jornada que leva o ego para a floresta.
A floresta é um lugar metafórico de perigo e transformação. Não há estradas claramente assinaladas. Se tivermos medo, as sombras podem ser sinistras; se somos temerários, a floresta pode ser um local perigoso.
Por vezes, sem intenção, somos nós que entramos na floresta. Atraídos por alguém ou alguma coisa, deixamos o terreno familiar mudando ou abandonando relações, trabalho, família, comunidade, ou sistema de crenças. Por vezes, deparamo-nos na floresta porque alguém nos deixa, ou perdemos o emprego, ou porque um diagnóstico médico, ou um acidente, altera tudo.
Também há alturas em que nos achamos na floresta depois de encerrarmos intencionalmente uma certa fase da vida: saímos por uma porta e batemos com ela, o que nos leva aí. Não chega compreendermos que devemos partir - deixar uma relação destrutiva, um emprego, um ambiente - : temos de ser capazes de agir sobre esse conhecimento. Como no mito de Psique, temos de ter tanto a candeia (um símbolo de iluminação ou da consciência que nos permite ver a situação com clareza) como a faca (a capacidade de actuar decisivamente, de ser capaz de cortar laços).
A incapacidade de a vida continuar como de costume aparece-nos por uma quantidade de razões. Não é o acontecimento em si que a provoca, mas, em consequência disso, os abismos a que descem as nossas almas.
Quando entramos numa fase de floresta, também entramos num período de itinerância e de potencial desenvolvimento da alma. Na floresta é possível ligarmo-nos de novo à nossa natureza inata, encontrar o que deixámos na sombra e o conhecimento, ou reconhecimento, de nós próprios a que voltámos a cara, ou ainda, o mundo pessoal e patriarcal que habitamos. Aí é possível descobrir de que é que temos andado afastados, "re-lembrar" um aspecto de nós mesmos outrora vital. Podemos achar um manancial de criatividade que esteve escondido durante décadas. Aí também poderemos ser atacados por críticas ou abandonados aos nossos piores receios. Principalmente, uma vez na floresta, temos de encontrar o que precisamos para sobreviver.
Perceval passou mais de cinco anos na floresta. Como qualquer outro processo labiríntico, leva o tempo que tiver de levar. Só depois de o conseguirmos compreender, percebemos até que ponto nos modificou, o que foi destruído e abandonado, e aquilo que nasceu de nós, que descobrimos ou recuperámos ali.
Esse tempo "no buraco" pode ser considerado, de facto, como um caldeirão de renascimento e recuperação, o caldeirão céltico que foi um precursor do Graal cristão, que continha dor e trevas assim como beleza e mistério, do qual se pode sair transformado de forma significativa.
Por muito assustador que seja encontrarmo-nos no meio da floresta, por muito tempo e por muito solitários que nos possamos sentir, é um panorama psicológico vivo e cheio de potencial. Trata-se de um local muitíssimo melhor para a alma do que um ermo...
in Travessia para Avalon, de Jean Shinoda Bolen (texto adaptado e com supressões)