sexta-feira, 30 de julho de 2010

A Floresta e as Terras Aventurosas

Muitas das aventuras da Távola Redonda tomam lugar na floresta densa e primitiva. Em parte isto reflecte a própria aparência da paisagem na época da escrita da maioria dos romances arturianos; mas há um significado mais profundo. A floresta simbolizava um mundo fora do domínio do Homem, onde qualquer coisa podia acontecer. Também representava um determinado estado de espírito - Dante refere a impenetrável floresta da mente, na qual a alma, despertando para a jornada da vida, se encontra perante uma infinidade de caminhos através da escuridão do mundo por baixo das árvores.


H. R. Rheam

A floresta era parte do Outro Mundo. Algumas tinham nomes: Broceliande, Arden, Inglewood. Lugares sombrios, repletos de encantamentos, onde só os mais intrépidos se aventuravam.

No entanto, além de terrores, a floresta também podia desvendar maravilhas. Das suas profundezas surgiam belíssimas fadas que punham à prova os cavaleiros errantes que procuravam o seu caminho por entre as árvores; muitas delas buscavam maridos entre os Cavaleiros da Távola Redonda, deles concebendo filhos  e assim disseminando "sangue feérico" na Confraria.  

No Lais de Maria de França (séc. XII), conta-se que um desses cavaleiros, Sir Launfal, apaixonado por uma linda fada, jurou segredo da sua existência sob pena de perder o seu amor para sempre. Quando Guinevere o tentou seduzir, Launfal não conseguiu manter o silêncio e, em desespero, declarou que nem ela, em toda a sua beleza, chegava aos pés da sua amada. Ganhando assim a inimizade da rainha, o cavaleiro é condenado à morte por recusar-se a revelar mais do seu segredo. É então que a fada aparece na corte, deslumbrando todos com a sua beleza, e leva-o com ela, para Avalon, acredita-se...

The Loathly Lady, Ilustração de Darrell Sweet

Nem todas mulheres da floresta eram assim belas... Ragnall, "The Loathly Lady", persuadiu o rei Artur a conceder-lhe a mão de seu sobrinho, Gawain, em troca da sua ajuda na resolução do enigma colocado por Gromer, irmão da feia anciã. À sua chegada à corte, todos ficam repugnados com a sua extrema fealdade, mas Gawain mantém a promessa feita. Quando Gromer chega e pergunta mais uma vez: O que é que as mulheres mais desejam ? Artur responde: As mulheres desejam ter soberania sobre os homens. Ragnall e Gawain casam e, ao primeiro beijo, ela transforma-se e revela a sua verdadeira beleza graças ao amor e compreensão de Gawain. Contudo, é colocado ao cavaleiro o dilema de decidir se Ragnall deve permanecer bela de dia e feia à noite, ou o inverso. Compreendendo verdadeiramente o sentido da pergunta, Gawain implora-lhe que seja ela a decidir e assim o encanto desfaz-se permanentemente.

Também nas profundezas da floresta, habitava a Questing Beast, uma criatura parte leão, parte serpente, parte cabra, que emitia um som como se trinta pares de mastins estivessem no seu ventre. Artur avista pela primeira vez a Besta quando rapaz, antes de ser coroado rei, constituindo tal presságio de um encontro com Merlim. Este aparece primeiro como uma criança, depois como um ancião que revela ao rapaz a sua verdadeira linhagem bem como uma série de enigmáticas profecias acerca do seu futuro. A Questing Beast existe meramente para ser procurada e foi perseguida muitos anos pelo rei Pellinore (pai de Perceval). Depois da sua morte, a demanda é retomada pelo cavaleiro Palomides que jamais conseguirá capturar a criatura do Outro Mundo.

                                                                                                                                          

É frequente nas lendas arturianas, a presença de homens e mulheres com o poder de se transformarem em animais. Numa dessas histórias, Artur segue uma estranha criatura que depois se torna num venerável ancião; noutra, uma das mais antigas histórias de lobisomens, um cavaleiro é amaldiçoado e só consegue tornar à sua forma humana, depois de muitos anos a viver como um lobo. Na lenda galesa da Dama da Fonte, podemos encontrar o Senhor das Bestas, com um pé, um olho e um braço, dominando todas as criaturas da floresta. 

Outros cavaleiros ficam ligados a um animal específico: Owain a um leão, Gawain a um cavalo encantado que o transporta a terras misteriosas... São, por extensão, como totens do xamã, que funcionam como guias da alma nas suas jornadas ao Outro Mundo.

Na tradição arturiana, os animais surgem como guias, guardiões ou ainda adversários.

No poema galês Preiddeu Annwn, Artur lidera um grupo de extraordinários heróis que buscam um caldeirão miraculoso, aquecido pelo fôlego de nove donzelas. Tendo de passar por sete níveis - cada um guardado por uma fortaleza - Artur e os seus homens conseguem roubar o caldeirão e retornar ao mundo humano, não sem custos pois "só sete regressaram".

Das Terras Aventurosas até ao Vale Sem Regresso, os cavaleiros da Távola Redonda aventuram-se e lutam sem cessar. Como os pistoleiros do Velho Oeste, são desafiados por todos aqueles com o desejo de se afirmarem como os melhores e de ganharem também um lugar na famosa Távola.



A matança de monstros, gigantes e feras era frequentemente uma alegoria para a luta vitoriosa contra povos invasores.


 Muitos heróis provêm de duas importantes famílias: as casas de Orkney e de Galles. Gawain, Gaheris, Agravain e Gareth eram filhos do rei Lot de Orkney e de Morgause, meia-irmã de Artur e também mãe do bastardo Mordred. Da família Galles, Perceval, Lamorack e Aglovale eram os filhos do rei Pellinore, que também tinha vários filhos ilegítimos - incluindo Sir Tor ou Torre. Também tinha uma filha, por vezes nomeada Dindraine, que desempenhou um importante papel na Demanda do Graal.

Havia uma grande rivalidade entre estes dois clãs, despoletada pela morte de Lot às mãos de Pellinore. A facção de Orkney empreendeu vários ataques como vingança culminarando esta nas mortes de Morgause e Lamorack, que se tinham tornado amantes. Gaheris matou a sua própria mãe e os irmãos assassinaram Lamorack.

Apesar destas lutas internas, a Companhia da Távola Redonda não deixa de ser referida como a mais alta ordem da Cavalaria, sem precedentes nem rivais, com  Artur a desempenhar um papel similar ao do Papa, uma vez que é o Imperador, o chefe supremo de todos os cavaleiros.

No mundo arturiano, donzelas e dragões são frequentemente emparelhados como representações do sagrado e do profano respectivamente.

Tudo chega ao fim na terrível de batalha de Camlan, e nada é encontrado para substituir a Távola Redonda. Instala-se de novo a anarquia. As Terras Aventurosas dissipam-se nas memórias e a ligação à floresta do Outro Mundo é cortada, mas o sonho permanece até  hoje...

Artur confronta uma serpente de sete cabeças. As histórias e lendas sobre chacinas de monstros representam também a vitória do herói sobre os seus medos, os seus monstros interiores.

Referência bibliográfica:

MATHEWS, Arthur, The Arthurian Tradition, Element Books Limited, 1994
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